Pretextos (Dec 2023)
A NECROPOLÍTICA E O LUTO: A PANDEMIA DA COVID-19 COMO UM DESASTRE PROLONGADO
Abstract
O presente trabalho versa sobre a vivência do luto em pessoas acometidas pela perda de um ente querido, em virtude da pandemia da COVID-19. Defende-se a compreensão da pandemia como um desastre prolongado, com uma articulação com o conceito de necropolítica. De modo a alcançar os objetivos delineados foi realizada uma revisão da literatura centrada em quatro eixos temáticos: a pandemia da COVID-19; a necropolítica como plano de governo; finitude e mortalidade; e contribuições da Psicologia ao contexto das Emergências e Desastres. Também foi realizada uma pesquisa qualitativa, sendo que foram entrevistadas quatro pessoas impactadas pela morte de entes queridos por COVID-19. As entrevistas foram gravadas e transcritas, e todos os entrevistados assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os dados coletados foram tratados por meio da Análise de Conteúdo. Os resultados indicam que a perda de uma pessoa amada está relacionada com os padrões de apego estabelecidos no decorrer da vida, e que o processo de luto é acompanhado por inúmeras perdas secundárias, que exigem uma reelaboração dos papéis liquidados com a morte. Além disso, a maneira com que as perdas ocorreram desempenhou um importante papel na percepção de cada entrevistado sobre o luto, pois a morte na pandemia ocorreu, em sua maior parte, dentro das UTIs. Os ritos funerários de despedida foram interditados para conter a disseminação do vírus, o que também impactou profundamente o momento do adeus. Nenhuma das vítimas teve a oportunidade de se vacinar, o que corrobora com o consenso de que a morosidade no processo de vacinação teve graves repercussões para a população brasileira. Destarte, destaca-se a posição central da Psicologia não apenas na atuação em contextos de desastres e no cuidado com os sobreviventes enlutados, mas também sua indissociável responsabilidade política diante dos efeitos do necropoder.