Musica Theorica (Dec 2024)
Exploração de ambiguidades harmônicas por meio do comentário composicional
Abstract
Em publicação recente, apresentamos um procedimento analítico destinado ao reconhecimento e à evidenciação de relações tonais-funcionais (tanto locais como de larga escala) latentes em obras geralmente tidas como pós-tonais, ou limítrofes de uma tonalidade expandida. Fundado poética e metodologicamente sobre a prática do comentário composicional – noção que tem origem na obra de Luciano Berio e que temos desenvolvido em trabalhos anteriores –, tal procedimento consiste, basicamente, em acrescentar à obra analisada (de resto intacta) uma linha melódica que opere, em cada formação harmônica dissonante, preparações e resoluções que busquem demonstrar como tal formação poderia ter ocorrido ainda no seio de uma tonalidade pré-1908 (i. e., anterior a uma emancipação generalizada da dissonância). Assumindo que, de uma perspectiva tonal-funcional, o repertório de interesse de nossa abordagem seja inerentemente ambíguo e tendo já anteriormente reconhecido que as interpretações ressaltadas por nossas linhas acrescentadas não são nem podem ser unívocas, objetivamos, no presente trabalho, explorar diferentes maneiras como possamos assimilar nos próprios comentários composicionais por nós produzidos – e não apenas em um plano verbal e hipotético – as ambiguidades que reconheçamos ao longo do processo analítico. Para tanto, tomamos aqui por objeto de análise a pequena peça para piano intitulada Masque, Op. 63/1 (1912) de Scriabin, a qual em boa medida se estrutura a partir de um jogo de ambiguidades harmônicas. No comentário que produzimos sobre a obra em questão, integralmente reproduzido ao fim do artigo, nós não apenas evidenciamos relações funcionais locais e de larga escala latentes em Masque, como, cumprindo com nosso objetivo, demonstramos ao menos cinco diferentes maneiras como nosso procedimento analítico pode contemplar e trazer à tona ambiguidades harmônicas das peças sobre as quais nos debruçamos.