Cadernos de Saúde Pública (Oct 2018)

Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia

  • Maria de Fatima Pessoa Militão de Albuquerque,
  • Wayner Vieira de Souza,
  • Thalia Velho Barreto Araújo,
  • Maria Cynthia Braga,
  • Demócrito de Barros Miranda Filho,
  • Ricardo Arraes de Alencar Ximenes,
  • Djalma Agripino de Melo Filho,
  • Carlos Alexandre Antunes de Brito,
  • Sandra Valongueiro,
  • Ana Paula Lopes de Melo,
  • Sinval Pinto Brandão- Filho,
  • Celina Maria Turchi Martelli

DOI
https://doi.org/10.1590/0102-311x00069018
Journal volume & issue
Vol. 34, no. 10

Abstract

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Em agosto de 2015, neuropediatras de hospitais públicos do Recife, Pernambuco, Brasil, observaram um aumento do número de casos de microcefalia desproporcional associado a anomalias cerebrais. Esse fato gerou comoção social, mobilização da comunidade acadêmica e levou o Ministério da Saúde a decretar emergência de saúde pública nacional, seguida pela declaração de emergência de saúde pública de interesse internacional da Organização Mundial da Saúde. A hipótese formulada para o fenômeno foi a infecção congênita pelo vírus Zika (ZIKV), com base na correlação espaço-temporal e nas características clínico-epidemiológicas das duas epidemias. Evidências se acumularam e no âmbito do raciocínio epidemiológico preencheram critérios que deram sustentação à hipótese. Sua plausibilidade está ancorada no neurotropismo do ZIKV demonstrado em animais, atingindo neurônios progenitores do cérebro em desenvolvimento, e em seres humanos devido às complicações neurológicas observadas em adultos após a infecção. O isolamento do RNA e antígenos virais no líquido amniótico de mães infectadas e em cérebros de neonatos e fetos com microcefalia contribuíram para demonstrar a consistência da hipótese. O critério de temporalidade foi contemplado ao se identificar desfechos desfavoráveis em uma coorte de gestantes com exantema e positivas para o ZIKV. Finalmente, o primeiro estudo caso-controle conduzido demonstrou existir uma forte associação entre microcefalia e infecção congênita pelo ZIKV. O conhecimento construído no âmbito do paradigma epidemiológico recebeu a chancela da comunidade científica, construindo o consenso de uma relação causal entre o ZIKV e a epidemia de microcefalia.

Keywords