Kalagatos (Sep 2024)
Apresentação
Abstract
Os estudos acerca dos múltiplos aspectos da existência da pessoa com deficiência começou a ganhar pujança com o surgimento dos Disability Studies. A partir de então, o tema da “deficiência” deixou de ser algo exclusivo do saber médico e passou a ser tencionado por áreas do conhecimento como Antropologia, Sociologia, Psicologia e Filosofia. Esse panorama epistemológico influenciará as tomadas de decisão acerca da pessoa com deficiência em âmbito social. Os estudos sobre/da deficiência vieram à tona nos anos 1970 e 1980, cuja matriz teórica predominante foi a sociológica. Esses estudos surgiram em ambientes de lutas pelos direitos das pessoas com deficiência, levados a cabo nos anos de 1960 e 1970, sobretudo em países como Estados Unidos da América, Inglaterra e Países Baixos. Essas lutas foram levadas a cabo por organizações que tinham em suas lideranças pessoas com deficiência. O desenrolar dos movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência fizeram com que essa temática fosse refletida para além do quadro investigativo até então dominante, ou seja, de que a deficiência é uma questão que diz respeito às alterações completas ou parciais de partes do corpo humano. Dentro desse quadro investigativo, temos as ciências da saúde voltando-se para o corpo DEF como lesionado, no intuito de “consertá-lo”, de “normalizá-lo”, para que se torne eficiente e, portanto, produtivo. É nesse sentido que podemos dizer que, da segunda metade do século XX em diante, o discurso médico em ascensão procurava responder às questões relacionadas às desigualdades sociais sofridas pelas pessoas com deficiência a partir de uma perspectiva meramente biológica, naturalizando esse quadro de opressão e invisibilidade. Nesse discurso, a deficiência deixa de ser encarada como um castigo divino e passa a ser compreendida como um “erro” da natureza ou de alguma sequela advinda de um acidente, podendo ser corrigida ou mitigada através de cirurgias ou tratamentos reabilitadores. A visão da corporeidade DEF como algo defeituoso é fruto da captura desse corpo pelo saber médico, que toma para si o corpo lesionado no intuito de devolvê-lo para o convívio social, com os déficits físicos corrigidos ou atenuados. O saber médico substitui o ideal clássico de perfeição corporal pela mensuração do caráter orgânico da população, típicas da biopolítica. Esta mensuração descreve estatisticamente a população em percentuais que buscam traçar uma média de quantas pessoas possuem algum tipo de lesão física e quantas são “normais”. Todos os desvios físicos e intelectuais mensurados estatisticamente a partir dos padrões normalizadores devem ser examinados, classificados e, se possível, tratados. Embora o discurso científico tenha tirado da corporeidade DEF o estigma de ser visto como um castigo divino contra alguma transgressão de seus progenitores, ele outorga a essa corporeidade uma marca que fomenta discursos capacitistas: a ideia de que o corpo DEF é um erro que precisa ser corrigido. A “Filosofia DEF”, que busca tencionar os múltiplos aspectos da existencialidade da pessoa com deficiência a partir de categorias e conceitos filosóficos, inaugura um novo e imprescindível momento de reflexão, trazendo para a superfície do debate um tema invisibilizado. O dossiê “Filosofia DEF”, publicado pela Revista Kalagatos, configura-se como mais uma ação de conferir visibilidade à temática da deficiência em uma perspectiva filosófica. O dossiê conta com diversos artigos de importantes pesquisadores e pesquisadoras que se debruçam filosoficamente sobre o tema da pessoa com deficiência. São eles: Para além da deficiência como uma identidade: a afirmação da diferença a partir dos modos singulares do ser, de Carlos Henrique Machado; A deficiência como problema filosófico: o pensar “deficiente” e sua potência instituinte na instituição escolar, de Pedro Ângelo Pagni; A baixa visão como diretriz fenomenológica de autoria de Michele Bellato; Do Acidente da deficiência à normatividade vital e a afirmação incondicional da vida, de Joelmar Fernando Cordeiro de Souza e Reinaldo Furlan; Língua de sinais: o lugar da diferença surda, de autoria de Estenio Ericson Botelho de Azevedo e João Emiliano Fortaleza de Aquino; Cartografia como uma cripistemologia: reflexões a partir de um território autista, de Luiz Gustavo Duarte e Maira Sayuri Sakay Bortoleto; A “Deficiência” enquanto problema filosófico, de Fábio Abreu dos Passos e Elivanda de Oliveira Silva; O que é ser surdo? Percepção e sensibilidade para uma ontologia da surdez, de Carlos Henrique Carvalho Silva e Parresia e arte autista: caminhos para a coragem da verdade e o cuidado de si, de autoria de Ana Cândida Nunes Carvalho.