Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
LEUCEMIA MIELOIDE AGUDA COM APRESENTAÇÃO MORFOLÓGICA SIMULANDO LEUCEMIA LINFOIDE CRÔNICA
Abstract
Introdução: O diagnóstico da leucemia mieloide aguda (LMA) usualmente começa através da avaliação da morfologia. Classicamente, os mieloblastos são células de grande tamanho, com elevada relação núcleo-citoplasmática, cromatina frouxa e presença de nucléolos proeminentes. O citoplasma é escasso, mas costuma mostrar a presença de grânulos, e por vezes, podem ser vistos os característicos “bastonetes de Auer”. A avaliação morfológica, entretanto, nem sempre é tão clara, e pode representar um desafio diagnóstico. Dessa maneira, trazemos para discussão o caso de um paciente do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), com apresentação morfológica atípica. Relato de caso: Paciente diabético e coronariopata, de 75 anos, com diagnóstico há quatro anos de neoplasia mielodisplásica com excesso de blastos tipo 1, de risco intermediário (IPSS risco intermediário 1), com deleção do 20q em cariótipo. Desde o diagnóstico vinha se mantendo em tratamento ambulatorial com eritropoetina, sem necessidade transfusional ou infecções recorrentes. Em maio de 2024, contudo, evolui, em hemograma de rotina, com surgimento de linfocitose persistente em sangue periférico (leucócitos 10.000/mm3, sendo 7.300/mm3 linfócitos). O esfregaço de sangue periférico revelou 60% de células de médio tamanho, alta relação núcleo-citoplasma, poucos grânulos finos, com cromatina nuclear anormal (áreas escuras de cromatina separadas por zonas claras) e nucléolos imperceptíveis, levantando a hipótese de Leucemia Linfocítica Crônica (LLC). A imunofenotipagem de sangue periférico, contudo, evidenciou 58,3% de células da amostra demonstrando positividade significativa para: CD4+/ CD5/ CD7 +++/ CD11b +/ CD13 ++/ CD15 +, par/ CD33 ++/ CD34/ CD38 ++, heterogêneo/ CD45 +/ CD117/ CD200 +. A pesquisa do CD2/ CD3 citop/ CD8/ CD10/ CD14/ CD15/ CD19/ CD20/ CD22/ CD23/ CD56/ CD64/ CD79a citop/ CD79b/ HLA-DR/ IgM citop/ IREM-2/ Kappa/ Lambda/ Mieloperoxidase citop/ TdTn resultou negativa. O resultado, portanto, é compatível com Leucemia Mieloide Aguda. Em avaliação medular foi confirmado o diagnóstico de LMA. Devido à idade e às comorbidades importantes, o paciente foi considerado inelegível à quimioterapia intensa. Discussão: Sabidamente, a progressão para LMA é um decurso natural de parte dos casos de neoplasias mielodisplásicas. No entanto, a apresentação morfológica desse caso de LMA simulou LLC, condições malignas com diferenças exuberantes no tratamento e no prognóstico. A aglomeração anormal da cromatina em mieloblastos foi descrita em apenas três estudos até o momento, e parece estar relacionada à disgranulopoiese, tal qual como em nosso paciente, que apresentava diagnóstico prévio de neoplasia mielodisplásica. Conclusão: O presente caso ilustra a dificuldade que a avaliação morfológica das LMAs pode trazer, especialmente no contexto de uma neoplasia mielodisplásica prévia. Nesse sentido, a identificação fenotípica destas células por citometria de fluxo apresenta uma estratégia fundamental para o diagnóstico correto e tratamento apropriado.