Artefilosofia (Apr 2017)
O non-sens e a mútua dependência das personagens de Beckett em Fim de Partida
Abstract
“As personagens de Beckett em Fim de Partida comportam-se de maneira tão primitiva e behaviorista em conformidade com as circunstâncias pós-catastróficas; e essa catástro-fe as mutilou tanto que elas não podem reagir de outra maneira; são moscas em agonia, após terem sido mutiladas pelo mata-mosca” (Adorno). Este ensaio se propõe a analisar duas características das personagens de Beckett, o non-sens de cada uma delas e, ao mesmo tempo, a mútua dependência como condição de uma fugidia sobrevivência; e pretende fazê-lo tendo como luzes o texto de Theodor Adorno sobre essa peça teatral. O elenco beckettiano conta com apenas quatro cabeças, os anti-heróis, Hamm e Clov, e duas personagens subalternas, os velhos Nagg e Nell, pais de Hamm. Hamm, cego e paralítico, é o rei em torno do qual tudo gira, mas que, em sua impotência, depende sempre do outro para realizar algo. Clov, coxo e criado, gostaria de acabar com Hamm ou ao menos abandoná-lo, mas não se anima a fazer nem uma e nem outra coisa. Os dois velhos, mutilados, sobrevivem no limite do instinto de auto-conservação, jogados em latões de lixo, e se confortam mutuamente. Quatro seres em degenerescência, lidan-do o tempo todo com a tarefa de existir; vivem como se fossem os últimos sobreviven-tes de uma humanidade devastada. De um lado, o absurdo, enquanto manifestação con-sequente da razão tornada completamente instrumental e que clama pelo sentido que ela mesma aniquilou; de outro lado, a trama das personagens, privadas de individuação e de autonomia, que não conseguem, mesmo odiando-se reciprocamente, viver uma sem a outra. Para Adorno, os arquétipos de Beckett são históricos pelo fato de que ele apresen-ta como coisas tipicamente humanas as deformações infligidas aos homens pela forma de organização da sociedade.