PROA: Revista de Antropologia e Arte (Jul 2019)

Na rua, o sentido da festa: tapetes sagrados, perecíveis serragens em cor

  • Frederico Luiz Moreira

Journal volume & issue
Vol. 1, no. 9
pp. 197 – 211

Abstract

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A prática de enfeitar as ruas para receber o sagrado manifesto remonta ao uso de oferendas ao divino e na representação do drama social. Os antigos tapetes eram ornamentações de cunho popular, realizadas como meio expressivo de crenças religiosas na Europa. Em períodos medievais tal prática contextualizava relações diretas entre a dádiva e a retribuição, estabelecendo influências no uso de calendários agrícolas para a manutenção e prática dessas tradições. Esse objeto (tapete) evidencia especificidades próprias da sociedade que o construiu. Prepara o caminho ao sagrado, contudo, numa via constituída por um meio efêmero, fugaz. Ele retrata de maneira primorosa o entendimento da comunidade sobre o rito, e por sua vez, sobre a festa. A partir de experiências antropológicas em campo foram observadas as feituras dos tapetes de serragens, que ornamentam a via da procissão na festa de Corpus Christi, em Sabará/MG. A composição dos tapetes interconecta as relações de sociabilidade estabelecidas entre os moradores das ruas investigadas, a festa, rito, memória e situações de transmissão que reforçam valores identitários e de pertencimento à cultura imaterial da cidade. O tapete ilustra a liturgia em seu principal contexto – morte/renascimento – portanto, possivelmente, aponta limites acenados pelo barroco. Neste, corpo e alma, matéria e espírito, efêmero e indelével, aproximam-se e se complementam. Mediante isso, percebe-se que o tapete remete à própria criação da festa - a criação da vida coletiva - pois ambas se encontram, e, nesse encontro, definem-se. Metaforicamente, o tapete e a festa são matérias efêmeras alusivas à Eucaristia Cristã, que anunciam as pertinências da comunhão, atribuindo-lhes significados como, o encontro, e a epifania. O contexto evidenciado na festa pela ritualística católica do “Corpo de Cristo” assim como sua efetivação (o caminhar da procissão pelo/no tapete), é posta como prova maior do sacrifício, elucidando assim o tema ritual, a própria composição dessa festa, a "efemeridade estética". O tapete de serragens, "ornamento efêmero", criação sujeita à destruição – perecível - possivelmente encontra na festa, a expressão de sua existência. Aqui a noção de sacrifício parece ser preeminente. Mesmo que pisoteada, a construção estética advinda da serragem colorida cumpriu, nesse momento, o seu desempenho. Nessa reflexão, o tapete dá à festa sua própria significação, ou seja: designa-a como uma festa, como Corpus Christi. Assim, observa-se que o limite entre ambos, festa, rito e objeto (tapete) não existem, pois um se torna motivo do outro: tapete-festa-rito. APRESENTAÇÃO EM VÍDEO: https://youtu.be/j4C_YVH-nvw

Keywords