Anuário de Literatura (Oct 2023)
Dom Quixote e o romance: valoração crítica e história do gênero
Abstract
O artigo discute o lugar de Dom Quixote na história do romance, discernindo-se os termos majoritariamente orientadores da sua eleição como modelo para a definição e elogio crítico do gênero, ao mesmo tempo indicando os anacronismos interpretativos implicados nesse processo. A proposta é que, se o texto de Cervantes não apresentava muitas das intenções que lhe foram atribuídas em épocas posteriores, tais anacronismos não eliminam seu lugar central na história do romance, de acordo com os modos pelos quais ele seria pensado e praticado nos séculos a seguir. Para fundamentar a proposição, o romance é teorizado como um gênero formalmente flexível, apesar de orientado por princípios estruturais relativamente estáveis, além de conceitualmente vago, apesar de orientado por distinções relativamente estáveis entre gêneros textuais vizinhos. Essa mistura de flexibilidade e robustez formal, vagueza e especificidade conceitual, permite que valores e interesses do campo literário tenham poder de determinação sobre a sua história, compreendida na interface entre conceitos e práticas. Analisa-se então como, nessa interface, Dom Quixote adquiriu importância ao ser situado como modelo de “literatura moderna”, e/ou apropriado em defesa do “realismo”. Ao final, a partir das proposições recentes de autores como Resina (2006), Moore (2013) e Pavel (2013), aponta-se ponderações da análise filológica contra os excessos interpretativos dessas formas de elogio, para consolidar a proposição de que eles não mitigam a importância de Cervantes na história do gênero – orientada, como ela foi, pelos valores da crítica, e não pela preocupação com o rigor analítico.
Keywords