Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2021)
VOLVO DE SIGMOIDE EM LINFOMA/LEUCEMIA DE BURKITT ASSOCIADO A TERAPIA COM VINCRISTINA
Abstract
Introdução: O linfoma/leucemia de Burkitt (LB), é uma neoplasia de rápida progressão, com elevado potencial de gravidade. Diante disso, diversos esquemas terapêuticos tem sido considerados, porém muito se discute sobre o melhor tratamento de primeira linha. Ainda assim, há espaço para uma determinada classe de drogas, utilizada na maioria dos esquemas iniciais: os alcalóides da vinca, os quais possuem a neuropatia como importante efeito colateral. Objetivo: Relato de caso de um paciente com diagnóstico de LB que apresentou quadro abdome agudo obstrutivo após primeiro ciclo de quimioterapia contendo Vincristina (VCR). Relato de caso: Homem, 68 anos, negro, com antecedente de infarto agudo do miocárdio, epilepsia e insuficiência cardíaca, encaminhado para avaliação da hematologia após biópsia de massa periamigdaliana, com resultado compatível com LB. Ao diagnóstico, paciente apresentava lesão de 7,4 x 5,3 x 4,1 cm em região amigdaliana; a biópsia demonstrou neoplasia linfoide de padrão difuso, constituída por linfócitos de tamanho intermediário com alta relação núcleo-citoplasma, figuras de mitose e apoptose frequentes. A amostra apresentava padrão em céu estrelado. A imunohistoquimica, foi positiva para CD20, CD10, BCL6 e MYC, e negativa para CD3, BCL2, com KI-67 de 95-100%. Paciente então foi admitido para início de esquema com R-DA-EPOCH, contendo 2 mg de VCR. Após o primeiro ciclo de quimioterapia, foi liberado sem intercorrências. Após10 dias da alta hospitalar, foi avaliado presencialmente devido queixa de parada de eliminação de flatos e fezes. Ao exame físico, apresentava distensão abdominal importante, com timpanismo difuso. Solicitada avaliação da equipe cirúrgica, que indicou laparotomia exploradora, com achado de volvo de sigmoide no intraoperatório. Realizada sigmoidectomia e colostomia, com evolução favorável no pós operatório e manutenção do tratamento oncológico, porém sem VCR nos ciclos de quimioterapia subsequentes. Discussão: A vincristina é um alcaloide da vinca com alto poder de depleção linfocitária, e portanto excelente ação em neoplasias linfoides. O esquema R-DA-EPOCH, tradicionalmente, contém VCR e é amplamente utilizado em linfomas agressivos, como o LB. Sabe-se que os efeitos colaterais da VCR são proporcionais à dose utilizada, sendo que diversos protocolos estabelecem uma dose máxima de VCR, a fim de minimizá-los. Dentre eles, a neurotoxicidade é o objeto de interesse desse relato. O efeito neuropático da VCR pode se manifestar como neuropatia periférica motora e/ou sensitiva, o que também inclui alterações da motilidade do trato gastrointestinal. Virtualmente, 100% dos pacientes apresentam algum sintoma neuropático, e cerca de 50% apresenta algum grau de constipação intestinal, com alguns relatos na literatura de oclusão intestinal. Notadamente, os pacientes mais afetados são aqueles que já apresentam alguma neuropatia prévia – como neuropatia diabética -, pacientes caquéticos, pacientes em uso de G-CSF e/ou de inibidores do complexo p450, dentre outros. No caso em questão, o paciente apresentou quadro importante de constipação intestinal sem melhora com uso de laxativos convencionais, e que evoluiu rapidamente para quadro de abdome agudo obstrutivo secundário a volvo de sigmoide. Conclusão: Os alcaloides da vinca, como a VCR, são fundamentais no tratamento das neoplasias linfoides. No entanto, seu uso deve ser avaliado individualmente, de acordo com as toxicidades apresentadas. Deve-se atentar especialmente ao componente neuropático, sobretudo gastrointestinal, de forma a prevenir e/ou tratar desde efeitos adversos leves - como uso de laxativos na constipação intestinal-, até eventos graves e potencialmente fatais, como o apresentado acima. Podem ser necessários ajustes ou, até mesmo, suspensão das doses posteriores.