Revista Estudos Feministas (Dec 2010)

Mulheres, negros e outros monstros: um ensaio sobre corpos não civilizados Women, negroes, and other monsters: an essay on non-civilized bodies

  • Jonatas Ferreira,
  • Cynthia Hamlin

DOI
https://doi.org/10.1590/S0104-026X2010000300010
Journal volume & issue
Vol. 18, no. 3
pp. 811 – 836

Abstract

Read online

A dinâmica ocidental de civilização implica uma relação tensa entre corpo e mente, cultura e natureza, civilização e barbarismo. No ensaio que se segue, exploramos a construção deste último dualismo ao investigarmos os espaços nos quais certos corpos são definidos como monstruosos. Em particular, estamos interessados na constituição de uma visão científica de diferenças raciais, sua especificidade em relação à percepção medieval do lugar da alteridade, seu papel em legitimar a circulação de corpos 'monstruosos' como mercadorias e sua reivindicação de desvendar uma hierarquia objetiva de raças e gênero. De Lavater a Curvier, a classificação das espécies oferece um modelo hierárquico que será apropriado pelos discursos de raça e gênero na biologia. Nesse contexto, um caso pode ser considerado paradigmático: a 'Vênus Hotentote'. Argumentamos que a negociação política do status ontológico de Sara Baartman, durante os séculos XIX e XX, representa precisamente tal esforço para estabelecer as fronteiras de civilidade mediante a circulação e a exclusão de corpos incivilizados.The Western dynamics of civilization implies a tense relationship between body and mind, culture and nature, civilization and barbarism. In the following essay we explore the construction of the last one of such dualism by investigating the spaces where certain bodies are defined as monstrous. We are particularly concerned with the constitution of a scientific vision of racial differences, its specificity in relation to the medieval perception of the place of alterity, its role in legitimizing the circulation of 'monstrous' bodies as commodities and its claim to disclose an objective hierarchy of races and gender. From Lavater to Curvier, the classification of species offers a hierarchical model that will be appropriated by race and gender discourses in biology. Within this context, there is one case of paradigmatic quality, 'The Hottentot Venus'. We argue that the political negotiation of Sara Baartman's ontological status, during the 19th and 20th centuries, represents just such effort to establish the borders of civility through the circulation and exclusion of uncivilized bodies.

Keywords