O Mundo da Saúde (Jul 2006)
Bioética cristã numa época pós-cristã
Abstract
A bioética cristã opõe-se à moral secular e à sua bioética. Da inseminação artificial a partir de doadores, da pesquisa com células-tronco embrionárias e do aborto à eutanásia passiva, os compromissos da bioética cristã tradicional conflitam com os da cultura ocidental secular dominante. Por exemplo, onde a moralidade secular vinculada à bioética considera o diagnóstico pré-natal e o aborto seletivo como parte legítima da paternidade responsável, a bioética tradicional vê uma forma de assassinato. As diferenças não são definidas simplesmente nos termos de proibições particulares, porém, mais significativamente, nos termos da força metafísica e do caráter moral totalizante das reivindicações cristãs. Ao contrário da filosofia moral secular, o cristianismo fornece e exige uma orientação definitiva no cosmos. A vida de cada um como paciente, enfermeira e médico devem ser metafísica e moralmente cristocêntrica, porque o cosmos é cristocêntrico. De um lado, para a bioética secular a existência dos seres humanos é uma contingência num universo que aparentemente surgiu do nada, não caminha rumo a coisa alguma e nem tem nenhum fim último. Do outro, o cristianismo considera a dignidade dos seres humanos como fundada não somente em sua criação, mas também na Encarnação, mediante a qual é possível a união com Deus. Além das diferenças metafísicas, há profundas divergências epistemológicas: o cristianismo tradicional (*) reconhece não só o conhecimento científico e filosófico empírico, mas também o conhecimento noético experiencial, isto é, o conhecimento místico de Deus e da realidade. A bioética cristã tradicional e a bioética secular pertencem a paradigmas radicalmente diferentes que não se distinguem simplesmente por compromissos morais opostos, mas por entendimentos diferentes sobre o caráter do conhecimento (isto é, a epistemologia) e da natureza da realidade (isto é, da metafísica). Há conseqüentemente uma divergência a respeito de quem devemos considerar peritos morais: os filósofos morais em oposição aos homens santos. Esse contraste é expresso nas implicações desses desacordos para a bioética. Assim agindo, o cristianismo do primeiro milênio, que tem continuidade no cristianismo ortodoxo, é considerado o ponto preliminar de referência, de modo a melhor se apreciarem as profundas raízes históricas e conceptuais das diferenças que estão em jogo. (*) A expressão “cristianismo tradicional” é reconhecidamente vaga e não pode ser melhor precisada no âmbito deste breve artigo. Aqui, “cristianismo tradicional” é usada para identificar: (1) o cristianismo imorre- douro do primeiro milênio e (2) os grupos cristãos do século XXI que estão em acordo substantivo com os compromissos daquele.