Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2021)
AMILOIDOSE INTESTINAL COM MANIFESTAÇÕES HEMORRÁGICAS EM MIELOMA MÚLTIPLO: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA
Abstract
Objetivo: Relatar uma apresentação atípica de amiloidose intestinal secundária a mieloma múltiplo em um hospital universitário no sul do Brasil. Relato do caso: Masculino, 54 anos, branco, procedente de Cacequi, Rio Grande do Sul, Brasil. Em 19 de fevereiro de 2021, compareceu à emergência clínica do Hospital Universitário de Santa Maria com histórico de dor lombar de 4 meses de evolução, secundária a lesões líticas e fratura de vértebra (T12). Adicionalmente, há 1 mês paciente apresentava astenia, fraqueza de membros inferiores e perda ponderal de 30 kg. Diurese preservada. Negava hematúria, disúria, dispneia, tosse e febre. Exames laboratoriais de admissão apresentavam hemoglobina 7.7, leucócitos 15.130, plaquetas 301.000, ureia 458 mg/dL e creatinina 21 mg/dL. Frente ao quadro de insuficiência renal aguda, instituiu-se hemodiálise de urgência. Após melhora clínico-laboratorial, foi avaliado pela hematologia, com mielograma e anatomopatológico confirmando mieloma múltiplo com restrição de cadeia kappa, e imunofenotipagem com 19% de plasmócitos expressando CD38/CD138 CD56, havendo monoclonalidade para cadeia kappa intracitoplasmática. Dosagem de Beta-2 microglobulina 17.462 (VR 600-2000), kappa 1.890 (VR 170-370) e lambda <15 (VR 90-210). Eletroforese sérica com pico monoclonal de gamaglobulina (37,8%) e betaglobulina (6,3%). Iniciada quimioterapia com Ciclofosfamida e Dexametasona semanal, enquanto aguardava-se a liberação de Bortezomibe via judicial. Evoluiu com quadro insidioso e progressivo de melena intermitente e fezes em aspecto de geleia de morango, além de parada do trânsito intestinal, vômitos biliosos, febre e distensão abdominal. Iniciada investigação com angiotomografia de abdome que mostrou espessamento parietal difuso de alças intestinais, com leve distensão, sem ponto de obstrução e sem obstruções vasculares. Estudo endoscópico exibiu gastrite hemorrágica difusa e pancolite hemorrágica; em biópsia, observou-se deposição de material amorfo eosinofílico na lâmina própria substituindo estruturas glandulares em duodeno, corpo gástrico e cólon descendente - achados histopatológicos compatíveis com amiloidose. Pesquisa de Helicobacter pylori negativa. Devido a complicações infecciosas secundárias à quimioterapia, progrediu com disfunção de múltiplos órgãos e óbito. Discussão e conclusão: A amiloidose caracteriza-se pela deposição extracelular de proteína anormal. Dentre seus subtipos, a primária está associada a cadeias leves monoclonais no soro e/ou urina, ocorrendo em até 15% dos pacientes com mieloma múltiplo. É comum o acometimento gastrointestinal ser assintomático, entretanto, há risco de má absorção, obstrução, sangramento gastrintestinal e perfuração. A biópsia tecidual fecha o diagnóstico nesses casos. No caso descrito, o diagnóstico de amiloidose se deu logo em seguida ao de mieloma múltiplo, evoluindo com complicações hemorrágicas e parada do trânsito intestinal enquanto aguardava-se o bortezomibe. Na literatura, a lenalidomida tem sido considerada superior ao bortezomibe nesses casos. Em conclusão, é incomum que a amiloidose abra um quadro de hemorragia de tubo digestivo em pacientes com mieloma múltiplo, todavia, o reconhecimento precoce pode nortear o tratamento, obtendo melhores resultados.