Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2021)
RELATO DE CASO: MUTAÇÃO DA CALRETICULINA ASSOCIADO À POLIGLOBULIA E ELEVAÇÃO DA ERITROPOETINA
Abstract
Introdução: A Calreticulina (CALR) é uma proteína sinalizadora celular que participa da modulação entre a fase proliferativa e maturativa dos eritroblastos. Sua função está intrinsecamente relacionada à eritropoetina (EPO) e a ativação da Janus kinase 2 (JAK2). Relato de caso: Paciente do sexo feminino, 49 anos, com história de pletora facial, associada à eritema palmar e plantar há 30 anos. Há um ano, apresentou mal estar súbito, recebendo diagnóstico de acidente vascular encefálico lacunar. Antecedentes: tabagismo ativo, com carga tabágica 20 maços/ano. Foi encaminhada para avaliação diagnóstica por poliglobulia com hemoglobina (Hb) 20,9 mg/dL e hematócrito (Ht) 62,5% em março de 2017. Ao exame físico, não foi evidenciado hepatoesplenomegalia ou linfonodomegalias. Havia sido submetida a três sangrias terapêuticas semanais que antecederam a consulta. No hemograma da admissão apresentava Hb 17,7 mg/dL e Ht 54,4%, leucócitos 11,69 x 103/uL (62% neutrófilos, 31% linfócitos, 0,81% monócitos); contagem plaquetária 368 x 103/uL. Na investigação de poliglobulia secundária à hipóxia, a espirometria e a gasometria arterial não mostravam padrão sugestivo de hipoxemia. A radiografia do tórax e ultrassonografia do abdome foram normais. A dosagem de eritropoetina estava aumentada, 96 mIU/mL (VR: 2,6-18,5), eletroforese de hemoglobina normal. A biópsia de medula óssea não mostrou alterações significativas e o cariótipo não mostrou anormalidades (46XX). Não foram detectadas mutações do BCR-ABL, JAK-2 (V617F e do éxon 12) e MPL; foi detectada mutação no gene da calreticulina. Pelo histórico de evento trombótico prévio e tabagismo ativo, foi iniciado ácido acetilsalicílico e hidroxiureia, além de flebotomias terapêuticas. Discussão: A mutação da CALR está descrita em neoplasias mieloproliferativas (NMP) com JAK2 negativo, principalmente trombocitemia essencial e mielofibrose primária. A associação com policitemia vera já foi descrita, porém é rara. Não foram encontrados na literatura associação entre aumento dos níveis séricos de EPO e detecção da mutação da CALR, não obstante, estudos indicam relação na via de sinalização da eritropoiese entre EPO e CALR. Estudos populacionais mostram uma prevalência de 0,16% de mutações da CALR na população geral. Esses pacientes apresentam aumento da contagem de células sanguíneas em comparação com a população geral, podendo significar uma doença mieloproliferativa sub-diagnosticada. Conclusão: O presente relato de caso demonstra uma apresentação clínica de quadro de poliglobulia secundária, com possível associação com a história de tabagismo, associada à presença da mutação de CALR e medula óssea normal. O seguimento a longo prazo poderá revelar se haverá o desenvolvimento de uma NMP no futuro.