Revista Espaço Acadêmico (Aug 2020)
Brasil e os golpes na Bolívia, Uruguai e Chile
Abstract
Conquanto voltasse a defender, desde o governo do general Costa e Silva (1967-1969), o princípio de não-intervenção e o respeito à soberania dos povos, o Brasil, cujo regime militar passara a orientar-se pelo nacionalismo de direita, não admitia, em sua vizinhança, experiências de esquerda, que viessem a estimular a chamada subversão e obstaculizar, externamente, a expansão dos seus interesses econômicos. A repressão, que o governo do general Emílio Garratazu Médici (1961-1974) internamente intensificara contra toda e qualquer oposição ao regime militar, projetou-se, por conseguinte, sobre outros países da América do Sul, sob a forma de intervenções mais ou menos encobertas, sem apelo à justificativa doutrinária das fronteiras ideológicas. A Bolívia, onde a convocação da Assembléia Popular, em fins de 1970, parecera aos militares brasileiros uma tentativa de formação de um soviete, recebeu a primeira estocada. A Casa Militar do presidente Garratazu Médici, chefiada pelo general João Batista Figueiredo, ofereceu aos adversários do governo do general Juan José Torres, através do ex-coronel Juan Ayoroa, dinheiro, armas, aviões e até mercenários, bem como permissão para instalar áreas de treinamento perto de Campo Grande (Mato Grosso) e em outros locais próximos da fronteira[i]. E o golpe de estado, deflagrado, finalmente, pelo general Hugo Banzer, contou com aberto apoio logístico do Brasil, cujos aviões militares, sem ocultar as insígnias nacionais, descarregaram fuzis, metralhadoras e munições em Santa Cruz de la Sierra, enquanto tropas do II Exército, comandado pelo general Humberto Melo, estacionavam em Mato Grosso, prontas para intervir na Bolívia (onde alguns destacamentos penetraram), se necessário fosse[ii]. Poucos meses depois, dezembro de 1971, o Uruguai outra vez esteve igualmente na iminência de sofrer a intervenção militar do Brasil. As tropas do III Exército, sediadas no Rio Grande do Sul, prepararam-se para o invadir, executando a Operação Trinta Horas (tempo necessário para a ocupação de todo o Uruguai), o que só não se concretizou porque o general Liber Seregni, candidato da Frente Ampla (partidos de esquerda e centro-esquerda), perdeu as eleições para os conservadores[iii]. Mas os serviços de inteligência do Brasil lá continuaram a colaborar ativamente no combate às organizações de esquerda. O delegado Sérgio Fleury, da Divisão de Ordem Política e Social da Polícia de São Paulo, ajudou a organizar o esquadrão da morte para liquidar os tupamaros (militantes do Movimiento de Liberación Nacional Tupac Amaru), que realizavam espetaculares operações de guerrilha urbana[iv]. E quando os militares finalmente deram, em 1973, o golpe de estado, ultimando o processo de implantação da ditadura, o Brasil, que influíra direta ou indiretamente para esse desfecho, enviou ao Exército do Uruguai centenas de veículos, tais como caminhões e carros Volkswagen, em uma operação da ordem de US$ 815.000, enquanto a Argentina fornecia automóveis para a Polícia, bem como gasolina e querosene da Yacimientos Petrolíferos Fiscales[v]. [i] Garcia Lupo, R., 1973, p. 229. Lozada, 1972, pp. 402, 403, 411-414, 437-440. Schilling, 1974, pp. 65-66. [ii] Garcia Lupo, R, “Bolivia - Instrumento Geopolítico en manos de Brasil", in Noticias, Buenos Aires, 31.05.1974. Garcia Lupo, R., 1983, p. 174. [iii] Grael, 1985, pp. 11-21. O autor dessa obra, coronel Dickson N. Grael, servia no III Exército quando dos preparativos para a invasão do Uruguai. Schilling, 1974, p. 67. Roper, Christopher, “EUA y América Latina - La Política del presidente Nixon” in Estrategia, março/abril 1972, nº. 15, pp. 33-42. [iv] Caula & Silva, 1986, pp. 43-44. [v] Sanguinetti, J. M. – “Anatomia da Crise - Bem Nacional o Golpe Uruguaio”, in O Estado de São Paulo, São Paulo, 13.06.1974, p. 24. La Opinión, Buenos Aires, 13.07.1973. O Globo, Rio de Janeiro, 25.05.1974.