Jornal de Assistência Farmacêutica e Farmacoeconomia (Nov 2024)

ID180 Incorporação de tecnologias para doenças raras no SUS: uma reflexão bioética sobre equidade

  • Viviane Hanshkov

DOI
https://doi.org/10.22563/2525-7323.2024.v9.s1.p.131
Journal volume & issue
Vol. 9, no. s. 1

Abstract

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Introdução A incorporação de novas tecnologias em saúde é um grande desafio para os gestores, especialmente no que tange às doenças raras. A pesquisa sobre Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) para doenças raras aborda os elementos técnicos das decisões da CONITEC, contudo, pouca atenção tem sido dada aos aspectos éticos do processo de incorporação de novas tecnologias para doenças raras no SUS. Entender as vulnerabilidades e desigualdades existentes nesse contexto é fundamental para o aprimoramento da participação social na ATS. A partir dessa problemática, este estudo teve como objetivo refletir sobre a equidade na incorporação do medicamento Alfacerliponase (Brineura®) no SUS, sob a ótica da bioética. Métodos Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, baseado na análise documental quantitativa e qualitativa dos relatórios e vídeos que compõem o processo de incorporação do medicamento Alfacerliponase (Brineura®) no SUS, publicados pela CONITEC em 2022, bem como dos acórdãos dos tribunais federais (TRF) referentes ao medicamento. Os dados avaliados são de domínio público e foram coletados de fontes secundárias disponíveis nos websites da CONITEC e dos tribunais. Resultados A Lipofuscinose ceróide neuronal tipo 2 (CLN2) é uma doença ultrarrara que afeta crianças de 2 a 4 anos, com 25 casos diagnosticados desde 2006 e uma média de 5 casos novos por ano, sem tratamento específico no SUS. Em 2022 havia 15 pacientes com CLN2 vivos, 7 estavam em tratamento com Brineura® sob ação judicial. O processo de incorporação da alfacerliponase (Brineura®) no SUS evidencia o estado de vulnerabilidade dos pacientes com CLN2: crianças, portadoras de deficiências, minoria, invisíveis socialmente, sem opção de tratamento. Tais vulnerabilidades se estendem aos pais/cuidadores. Todas as contribuições durante a participação social, na condição de paciente, foram feitas por meio de relato dos pais/cuidadores. Não houve contribuições realizadas por pacientes sobre experiência ou opinião. Na deliberação do Plenário, anterior à Audiência Pública, foi reconhecido o dilema ético, mas prevaleceu a discussão sobre custo-efetividade. Durante a Audiência Pública, 4 pais participaram e foi possível ver imagens de pacientes em 3 vídeos curtos produzidos por profissionais da saúde, sendo que um pai não conseguiu abrir seu vídeo. Nos procedimentos não há diretriz específica para doenças raras, em face das vulnerabilidades. Quanto aos acórdãos dos tribunais federais sobre Brineura®, foram encontradas evidências de desigualdade: 1 favorável no TRF3; 11 no TRF4, sendo 8 não favoráveis; 6 favoráveis no TRF5; nenhum no TRF1, TRF2 e TRF6. Discussão e conclusões Diante das vulnerabilidades dos pacientes com CLN2, a ausência de procedimentos desiguais para análise das evidências e de mecanismos de proteção da eticidade da avaliação, tal como existe na pesquisa, abala os princípios da equidade e da participação social. A dependência de judicialização para acesso à única tecnologia disponível reforça as desigualdades. Sob a ótica da bioética, sugere-se a participação de representante da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa nos processos que envolvam doenças raras e de uma diretriz metodológica que dê voz e torne o paciente visível, considerando a dimensão ética e social da doença, para promover a equidade social.

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