Viso (Jul 2014)

Um exemplo de inversão do domínio ideológico norte-americano no Brasil

  • Carla Damião

DOI
https://doi.org/10.22409/1981-4062/v14i/158
Journal volume & issue
Vol. 7, no. 14
pp. 40 – 55

Abstract

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Propomos discutir a relação de domínio ideológico-cultural norte-americano sobre o Brasil, tendo em vista exemplos documentados. Trata-se da chamada “política de boa vizinhança” [Good Neighbor Policy], com início em 1933 até o final da Segunda Guerra, notadamente durante o governo Getúlio Vargas no Brasil e o governo Franklin Roosevelt nos Estados Unidos. A necessidade de propaganda política passava pela “sedução” cultural da potência estadunidense sobre seus vizinhos latino-americanos. Neste sentido, o momento político de tentativa de “adoção” ideológica do Brasil pelos Estados Unidos foi marcado pela “encomenda” de produtos culturais como a personagem do malandro Zé Carioca de Disney. O exemplo mais ambíguo que marca essa ambição de domínio ideológico é o filme encomendado a Orson Welles e jamais finalizado, intitulado: It’s All True [É tudo verdade]. O filme não concluído por seu famoso diretor, filmado em 1942, só se tornou conhecido em 1993 quando outros diretores americanos realizaram um documentário remontando partes do filme. O material presente nesse documentário foi também recuperado pela pesquisa realizada pelo cineasta brasileiro Rogério Sganzerla, da qual surgiu uma tetralogia composta pelos filmes: Nem tudo é verdade (1986), A liguagem de orson Welles (1990), Tudo é Brasil (1997) e O signo do caos (2003). O projeto de domínio cultural encomendado a Orson Welles terminou em fracasso, visto que este desviou sua atenção da glamourosa cidade do Rio de Janeiro e do Carnaval, para filmar a saga de jangadeiros que lutavam por direitos trabalhistas. A conotação política do filme determina seu fracasso no domínio ideológico de propaganda política do governo americano. Sganzerla elegeu o episódio para pensar e criticar o domínio ideológico norte-americano sempre presente na cultura brasileira, de uma maneira bastante ambígua. A ambiguidade permeia a atitude dos dois cineastas: o grande Orson Welles e o audacioso Rogério Sganzerla, conhecido por sua verve crítica e disputa com o cinema novo de Glauber Rocha. Quando lemos a respeito do que seja um “filme-ensaio” ou um “ensaio fílmico”, um dos primeiros nomes que salta à frente dos demais é Orson Welles, principalmente em “F for Fake” (no Brasil: “Verdades e mentiras”). Podemos encontrar nesse gênero a maior aproximação entre Welles e Sganzerla. Com base nessa aproximação, podemos notar que o contraste marcado pelo viés do domínio político e cultural ganha outro aspecto ao situarmos intercâmbios culturais evidentes na linguagem fílmica, possíveis de ser transmudados em libertação política e abertura para se pensar o transcultural.

Keywords