Diálogos (Mar 2017)
A ‘grande transformação’ e a biota cultural das populações em movimento
Abstract
Os cronistas coloniais e, depois, os historiadores, notaram que desde a colônia o “ser brasileiro” é um homem em deslocamento. “As pessoas viviam nas estradas como formigas - dizia um deles; é uma “sociedade em movimento” - disse outro. Até 1850, centenas de milhares haviam sido forçados a cruzar o Atlântico Sul. Entre meados do século XIX e as primeiras décadas do séc. XX, milhões cruzaram o Atlântico; e milhares migraram forçadamente do Norte para o Sudeste na expansão da lavoura cafeeira. Entre 1930 e 1950 cerca centenas de milhares se deslocaram para o Paraná. Nos anos 1940 e 50, outros milhares foram forçados a caminhar do Nordeste para o Sudeste, empurrados pelo clima. Entre 1960 e 1980 cerca de 40 milhões de brasileiros mudaram-se do campo para a cidade e das cidades pequenas para as grandes, do Sul/Sudeste para o Centro-Oeste e o Norte. São populações em movimento no espaço. Em cada movimento estas populações levaram consigo sua biota cultural e provocavam alterações no bioma de destino, mudando as fronteiras. O território onde hoje vivemos é constituído de camadas e camadas de paisagens construídas por estas populações em movimento pelo espaço. Plantas, animais, insetos, germes, técnicas e memórias são documentos deste processo que originou as nossas cidades. Um espaço que há cem anos era sertão transformou-se no território da cafeicultura e das pequenas cidades, e hoje, em termos de zona rural, transformou-se na paisagem da soja/trigo/cana. O café veio da Etiópia, a soja, da China, o trigo, da Ásia, e a cana, da Índia. Os vírus a serem enfrentados eram os da malária, da febre amarela e do impaludismo. Eram vírus estacionários. Hoje o vírus literalmente voa junto com as populações. O campo da história não pode mais prescindir do diálogo entre o espaço, as populações e o tempo.