Revista Espaço do Currículo (Apr 2017)
TRAMAS DA TESSITURA CURRICULAR: o curso experimental de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (1968-1975).
Abstract
Em 1968, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) iniciou uma experiência educacional oferecendo um segundo curso médico, o Curso Experimental de Medicina (CEM), que coexistirá com o Curso Tradicional de Medicina (CTM). Através de fontes documentais escritas e orais e tendo como objetivo compreender as articulações e seleções que se entretecem na proposição, execução e extinção do projeto Curso Experimental de Medicina, esta tese iniciou-se a recuperação da construção sócio-histórica do CEM, Curso este pouco discutido. O CEM emergiu da associação de fatores que pressionavam a FMUSP a promover mudanças em seu ensino, e teve como propositores um grupo que construiu um território de contestação à naturalização dos preceitos tradicionais formadores de médicos. A proposta do Curso era a integração de conteúdos a partir de temas e não apenas em disciplinas consolidadas, visando formar médicos com forte base generalista e comunitária, que permitisse a atuação destes no campo de clínica médica geral, mas também fosse base suficiente para a escolha de uma especialidade. As situações de aprendizado se davam através de inserção do aluno nos esquemas produtores de conhecimento junto aos laboratórios de ensino e aos serviços de atendimento médico, propondo ao aluno o papel central na sua formação, imputando-lhe a necessidade da construção coletiva de seus conhecimentos, e trazendo o professor à posição de tutelaria, de orientador do processo de aprendizagem e não transmissor de conteúdos. O aluno era colocado mais precocemente em contato com o cotidiano do atendimento médico, introduzindo concretamente a atenção primária como um dos focos de atendimento do médico formado na FMUSP. Para isso, o CEM introduziu uma diversidade de cenários de prática, como os centros de saúde e hospitais gerais, e a dimensão do paciente em pé, que comunga com a proposição de indivíduo biopsicossocial defendido pelo CEM, além de aproximar os médicos de outros profissionais da saúde. Com apenas oito turmas graduadas, o Curso sofre resistências constantes na FMUSP, com precarização do espaço de oferecimento, perda de sustentação política, e deturpação e hibridização da proposta original, entre outras, que levam ao seu esfacelamento, culminando na fusão dos cursos coexistentes em um curso que guarda pouco do Experimental. O CEM apresenta-se como um resgate da tradição fundante da Faculdade, pois este recupera a dimensão de experimento, de inovar o ensino, rompendo, contudo, com a tradição cirúrgica da FMUSP. Ao impor o protagonismo aos alunos e professores, os conhecimentos são reagrupados, alterando os territórios disciplinares convencionais, levando a disputas territoriais que não se concentram nos grandes espaços das disciplinas, mas que acabam por permear toda a estrutura, posto as disciplinas estarem dispersas. O que permanece do CEM no currículo da Faculdade se vê na manutenção da formação em atenção primária e do bloco de Moléstias Infecciosas, além das infraestruturas do Centro Saúde-Escola e do Hospital Universitário e da memória de seus protagonistas remanescentes.