Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
SÍNDROME HEREDITÁRIA HIPERFERRITINEMIA-CATARATA - UM RELATO DE CASO NO INTERIOR DO RIO GRANDE DO SUL
Abstract
Objetivo: Relatar caso de síndrome de hiperferritinemia-catarata congênita. Introdução: A síndrome hiperferritinemia-catarata (SHC) é uma condição genética autossômica dominante rara, caracterizada pelo elevado nível sérico de ferritina. A regulação da concentração intracelular de ferro é mediada pela região 5’UTR do gene da cadeia leve da ferritina (FTL), situado no cromossomo 19q13 e por proteínas reguladoras de ferro. Dessa forma, quando há mutações específicas nessa região, o ferro é incapaz de se ligar à sua proteína reguladora. Com isso, os níveis de ferritina aumentam consideravelmente devido à síntese constante de FTL, sem sobrecarga de ferro. Essa síndrome apresenta-se precocemente através da catarata bilateral devido ao acúmulo de ferritina no cristalino, no entanto, por ser uma condição rara, muitos pacientes são diagnosticados erroneamente. Relato de caso: Paciente do sexo feminino, caucasiana, 10 anos, assintomática, foi encaminhada ao serviço de hematologia em por apresentar aumento nos níveis séricos de ferritina (1.129 ng/mL), perfil ferro dentro da normalidade, sem diagnóstico estabelecido. Os exames laboratoriais foram repetidos e ampliados para investigação de condições inflamatórias associadas. Resultados dos exames demonstraram permanência da hiperferritinemia sem sinais de sobrecarga de ferro. Provas autoimunes e reumatológicas negativas, assim como as sorologias e função renal e hepática. Prosseguindo a investigação de doenças familiares, a mãe da paciente referiu ter sido diagnosticada com catarata aos 15 anos. Devido à suspeição de síndrome de hiperferritinemia-catarata hereditária, fizemos anamnese direcionada e questionamos a paciente sobre alteração visual, a mesma afirmou turvamento visual e visão embaçada, dessa forma, foi encaminhada para avaliação com o oftalmologista, confirmando catarata e encaminhada para correção cirúrgica. Discussão: A SHC é uma doença autossômica dominante rara, causada por mutações na região 5’UTR do gene FTL. No Brasil, a prevalência dessa doença é desconhecida e muitos casos tendem a ser subestimados já que esse distúrbio é frequentemente diagnosticado erroneamente como hemocromatose hereditária, uma patologia que também cursa com hiperferritinemia, porém há sobrecarga de ferro associada. Os achados patognomônicos da SHC incluem catarata congênita com níveis elevados de ferritina em exames laboratoriais, enquanto os níveis ferro sérico e saturação de transferrina são normais. A hipótese mais aceita para o desenvolvimento da catarata bilateral é o acúmulo de de ferritina depositada na forma de cristais precipitados no córtex do cristalino. Ainda, a morfologia das cataratas na SHC difere dos outros tipos de catarata, o que pode ser útil para o diagnóstico da patologia. De acordo com outros relatos de SHC publicados, o diagnóstico é frequentemente confirmado por pesquisa de mutações na região 5’UTR do gene FTL, o que contribui para diagnóstico preciso e tratamento adequado. Todavia, não dispomos de exames genéticos e diante das características clínicas, laboratoriais e histórico familiar, o distúrbio pode ser manejado como SHC. Conclusão: Em pacientes com SHC, a única anormalidade clínica é a presença de catarata congênita. Portanto, é essencial que médicos oftalmologistas testem os níveis de ferritina durante a investigação de cataratas, principalmente em crianças. Da mesma forma, toda a hiperferritinemia inexplicada deve ser encaminhada para avaliação oftalmológica pois, mesmo que assintomática, o diagnóstico correto favorece intervenções específicas em tempo adequado. Ademais, relatos como este são necessários, visto que essa condição é extremamente rara e há escassa literatura sobre o tema.