História da Educação (May 2015)
Apresentação - Introduction
Abstract
Homenagem a Jacques Le Goff, historiador extraordinário é o título de um artigo da edição da revista Chroniques da Bibliothèque Nationale de France, em seu número 72, que corresponde a janeiro-março de 2015 e que rendeu homenagens ao autor[1]. Cabe lembrar que em abril de 2015 transcorreu um ano do falecimento desse historiador excepcional, por isso fazemos coro com Chroniques. A revista História da Educação faz o registro e presta sua homenagem a Le Goff neste número 46, que é publicado no 19o ano de existência desta publicação. Tributo necessário. Podemos afirmar que uma legião de historiadores brasileiros, incluindo-se os historiadores da educação, reconhece o nome do célebre pesquisador e, ao menos ao longo da formação inicial, não importa qual corrente teórica ou filiação historiográfica tenha prevalecido, seguramente deparou-se com a leitura de alguma obra deste historiador da contemporaneidade, muitas vezes conhecido por uma espécie de sobrenome, Nova História, corrente a qual está identificado e foi um dos precursores. Mesmo aqueles historiadores da educação cuja formação inicial não é a História, conhecem os magníficos verbetes Memória, Documento/monumento, História, entre outros, que constam na Enciclopédia Einaudi[2] sob autoria de Le Goff. Se ignoram, apressem-se: são leituras imperiosas ao nosso campo de estudos.Jacques Le Goff, aos novos leitores-historiadores da educação, insistimos, é um autor incontornável! Chroniques tributa-lhe muitos méritos que fazemos questão de endossar: historiador que forneceu ao campo historiográfico uma reflexão original, imaginativa, ancorada no trabalho concreto do historiador e sensível aos problemas do tempo presente. Embora mundialmente conhecido como um fenomenal historiador da história europeia do medievo, Le Goff enriqueceu os horizontes historiográficos com suas inestimáveis discussões acerca dos métodos e dos conceitos da História. Juntamente com Pierre Nora, nos idos dos anos 1970, inscreveu como pauta de atenções da historiografia uma densa reflexão sobre história-problema, novos objetos e novos métodos, com as provocações suscitadas pela publicação, em três volumes, dirigidos em parceria com Nora, da coleção Faire de l’Histoire (1974)[3]. Também são centrais suas contribuições acerca do conceito de tempo e a periodização em História, além de suas aproximações precursoras com a Antropologia e as proposições vigorosas ao diálogo interdisciplinar, segundo ele imprescindível à História. Demonstrou esse fecundo diálogo em suas obras.Vale registrar a última publicação de sua autoria, antes de seu passamento, possivelmente atravessada pela experiência existencial de alcançar os 90 anos e acumular as reflexões de uma atividade intelectual da vida toda. Trata-se da obra intitulada Faut-il vraiment découper l’histoire en tranches? (Seuil, 2014). Em suas palavras na apresentação do texto podemos antever uma espécie de testamento intelectual: Ni thèse, ni synthèse, cet essai peut être lu comme l’aboutissement d’une longue recherche. Et d’une réflexion sur l’histoire, sur les périodes de l’histoire occidentale, au centre de laquelle le Moyen Âge est mon compagnon depuis 1950. Il s’agit donc d’un ouvrage que je porte en moi depuis longtemps, des idées qui me tiennent à cœur. Écrit en 2013, à l’heure où les effets quotidiens de la mondialisation sont de plus en plus tangibles, ce livre-parcours pose des questions sur les diverses manières de concevoir les périodisations dans l’histoire: les continuités, les ruptures, les manières de repenser la mémoire de l’histoire. Traitant du problème général du passage d’une période à l’autre, j’examine un cas particulier: la prétendue nouveauté de la Renaissanceet son rapport au Moyen Âge auquel j’ai consacré avec passion ma vie de chercheur. Reste le problème de savoir si l’histoire est une et continue ou sectionnée en compartiments ? ou encore: s’il faut vraiment découper l’histoire en tranches? (Le Goff, 2014)[4] Seu itinerário e o conjunto de sua obra, precisamos reconhecer, são dotados de uma coerência e de uma inteireza: presente e passado implicam-se e esclarecem-se mutuamente, vida e obra se confundem, historiador-pesquisador também foi um pedagogo, um professor de História apaixonado. Manteve a professoralidade ao longo de toda vida profissional, especialmente na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1962 a1992), mas também por quarenta e cinco anos capitaneou uma ação educativa como animador do programa Les lundis de l’Histoire - As segundas da História -, emissão do canal France Culture[5], preocupado com a difusão do saber histórico ao grande público, de modo a não confundi-lo com a história divertimento, mas comunicar a história de seus textos, de suas fontes, de seus tempos, sugerindo novos temas de investigação e defendendo a necessidade da pluridisciplinaridade da operação historiográfica.Vale lembrar, ainda, sua atuação como homem público de esquerda, cujo exemplo emblemático, entre outros eventos, foi a conclamação aos intelectuais a mobilizarem-se contra a repressão ao Solidarnosc na Polônia, em 1981.Onde termina a atuação do pesquisador e começa seu engajamento como professor e homem público? Por que submetê-lo a tal distinção como se fossem pedaços? Guardemos a inteireza. Recusemos os binarismos, ou quaisquer fragmentações, porções, sobretudo as dualistas, como sugere a própria indagação de seu último título publicado. Raras vezes na historiografia cotidiano, ação pública e trabalho historiográfico lograram tão intensa relação, como podemos observar na trajetória de Le Goff.Valemo-nos aqui de todas essas inspirações e exemplo para o campo de estudos da História da Educação e neste 2015 reafirmamos o necessário reconhecimento público a um dos grandes mestres do pensamento contemporâneo. Seus textos nos convidam a fazer História. Convém não relegá-lo ao esquecimento, mas oferece-lo à leitura em nossos estudos e a nossos estudantes e jovens pesquisadores, atentarmos para os descuidos em relação à sua autoria em muitas das questões com as quais ainda nos deparamos e que assumem um ar de novidadeiras, importadas ou contrabandeadas de Le Goff sem os créditos imperativos. Procuremos restituir-lhe a palavra: A História é em primeiro lugar o exercício permanente de certo olhar, de certo espírito crítico, de certo “fazer” [...]. É lamentável, quando se vê que certas orientações da concepção de história, a meu ver essenciais, não penetraram de fato o território da história: a história-problema, a história aberta a outras ciências sociais, a história que não se encerra na narrativa. O que está em jogo me parece demasiado importante para que eu me resigne a essa situação. Sim, Lucien Febvre continua tendo razão, os “combates pela história” prosseguem. [...] nunca a pesquisa histórica esteve tão viva quanto hoje. Para mim, é o que conta. Por outro lado, a demanda intelectual e social da história também me parece crescente. Os historiadores não podem esquivar-se dela. (Le Goff, 1974) História-problema, história aberta a outras ciências, história que não se encerra na narrativa, mas mantém compromisso com uma demanda intelectual e social, são premissas que bem podem caracterizar os artigos do presente número de História da Educação.Nesta edição, os leitores são convidados, pelo dossiê Um olhar histórico sobre o rendimento escolar, o percurso dos alunos e a repetência, organizado por Natália Gil, a acompanhar as produções que decorrem do desenvolvimento de um projeto de pesquisa interinstitucional, apoiado pelo CNPq, que se assenta na perspectiva de uma história-problema. Para abordar rendimento escolar, percurso dos alunos e repetência, os pesquisadores indagam como as dificuldades próprias ao percurso escolar dos estudantes, em especial a reprovação e o abandono escolar, foram discursivamente eleitas para produzir uma verdade acerca da crise da educação nacional, problema que não se encerra no passado da História da Educação, mas contém em si mesmo uma reatualização vigorosa na discursividade do presente.Os debates sobre os resultados do ensino e a crise do sistema escolar estão na ordem do dia, evidentemente com matizes e especificidades próprias de outro tempo, mas ainda conservam muitos enunciados que atravessam as temáticas desdobradas do projeto maior, aqui apresentadas em cada um dos cinco artigos do dossiê. Tais artigos podem ser lidos, igualmente, como exercícios de aproximação a responder demandas intelectuais e sociais do conhecimento histórico, evocando Le Goff.De certa forma, indagam como vimos produzindo a ampla esfera de noções em torno ao rendimento escolar: o fracasso, a repetência, o abandono, enfim, a exclusão escolar e social? Como a escrituração escolar - dos decretos da instrução pública passando pelos livros de matrícula e estatísticas educacionais oficias - e outros documentos que tem um rol particular no campo da educação - manuais de psicologia, imprensa de educação e ensino - deram lugar à produção discursiva em torno ao rendimento escolar que ainda persiste no que pensamos e fazemos a esse respeito? Seguimos produzindo, mesmo que resguardadas as distinções, desigualdades educacionais, dispositivos de controle da população escolar, exclusão.Os artigos de pesquisadores de diferentes universidades e contextos, França, Brasil, neste último, Rio Grande do Sul, Minhas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, examinam diferentes períodos históricos, dos anos1850 ameados dos anos 1940. Oferecem e explicam várias faces desses complexos fenômenos, ao mesmo tempo em que instigam outros estudos que poderão ampliar a compreensão até aqui formulada.O dossiê reúne artigos de Natália de Lacerda Gil e Joseane El Hawat, ambas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que observaram tempo, idade e permanência em escolas do Rio Grande do Sul entre 1895 e 1919 e propõem uma produtiva reflexão sobre os documentos da pesquisa, em especial a escrituração escolar.Em seguida, o pesquisador francês Jérôme Krop, em diálogo com o grupo de pesquisa contemplado no dossiê, sugere atenção à constatação acerca dos usos da repetência no ensino primário francês no século 19, que revelam até que ponto esta era utilizada para facilitar a aprendizagem dos melhores alunos e findam por sentenciar que para algumas crianças restaria apenas os anos iniciais de escolarização. O que temos a dizer sobre essa incisiva questão nos dias atuais?Outro artigo do dossiê, de Sandra Maria Caldeira-Machado, da USP, e Fernanda Cristina Campos da Rocha, da UFMG, analisam registros escolares de Minas Gerais entre os anos de1907 a1917 e instigam pensar sobre a invisibilidade dos problemas associados ao percurso dos estudantes, sobretudo quando as estatísticas oficiais mostram-se como fabricações de determinadas visibilidades e verdades.André Paulilo, da Unicamp, aborda as políticas públicas de educação na cidade do Rio de Janeiro nos anos 1930, com atenção especial à produção das estatísticas oficiais para compreender a organização dos serviços escolares e as estratégias para conter a evasão e a repetência. Assim, controle da população escolar é novamente tematizado com demonstrações diversas e específicas ao caso examinado. Outra variação da complexidade do problema proposto pelo dossiê se volta aos conhecimentos especializados.Ana Laura Godinho Lima e Luciana Maria Viviani, ambas da USP, examinam esses conhecimentos especializados sobre os problemas de rendimento escolar valendo-se de uma documentação particularmente fecunda para perscrutar os regimes discursivos e a produção de verdades, uma vez que são reconhecidos como textos legítimos e autorizados: os manuais de psicologia e a imprensa de educação. Forçoso é demonstrar o binômio acionado: conhecimento e controle, saber-poder; conhecimento científico do aluno e controle da organização e trabalho escolar. Assim, eficiência e modernidade foram traduzidas como própria dos saberes especializados do campo da Psicologia e esta assumiu o lugar proeminente, outrora mais acentuado para a Medicina, que persiste na decifração das mazelas do rendimento escolar, mas sobretudo das mazelas de nossas vidas.Cumpre registrar que este número 46 conta com a presença de autores de diferentes instituições e regiões do Brasil, e fora dele, destacando a presença de autores da França, Portugal e Espanha, que examinam não somente seus contextos nacionais ou locais, mas também os contrastam com experiências diversas.Os artigos reunidos na segunda parte demonstram a vitalidade e a diversidades dos temas e objetos de estudo em História da Educação: do patrimônio educativo e da cultura material escolar, aos modelos e sistemas educativos, incluem também a história das instituições escolares, os processos de escolarização, as disciplinas escolares, a imprensa de educação, as memórias da formação profissional. Percorrem os acontecimentos da educação dos séculos 19 ao 20, não eximindo-se de apontar repercussões até nossos dias. Predominam estudos relacionados à escola e à escolarização. Estudo particular sobre experiência educativa nas Ilhas Canárias nas primeiras décadas do século 20 discute o modelo educativo espanhol de escolas de formação militar. Os autores Manuel Ferraz-Lorenzo e Víctor Alonso-Delgado asseveram que tal modelo de formação foi pouco efetivo, assim como sua demanda social foi limitada, embora tenha servido para mobilizar as juventudes e disseminar um poderoso discurso patriótico e religioso, bem contextualizados na presença ostensiva e não justificada dos militares na sociedade.Maria João de Carvalho, José Viegas Brás e Maria Neves Gonçalves, autores portugueses, elegem o conceito de self-government para compreender o contributo da obra de António Sérgio para a renovação da Educação na primeira metade do século 20 em Portugal. Uma gama variada de documentos indiciam as idéias deste importante autor: textos de conferências, cartas, textos doutrinários e ensaios. Destacam que no cerne do pensamento do autor encontra-se a concepção de educação baseada no self-government, ou seja, inspirado pela Escola Ativa, propugnava a criação de sujeitos livres, ativos, autónomos, emancipados, participando ativa e solidariamente numa escola-comunidade, regida pelos princípios do self-government.Somos convidados a acompanhar Felismina e Libertina à escola, ou em sua luta pelo acesso à educação na cidade do Rio de Janeiro, no período da abolição e no pós-abolição (1888-1906), discutido no artigo de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Irma Rizzini e Jucinato Marques. Os autores se valem desse convite para examinar as tensões e limites da escolarização no contexto do pós-abolição, quando a instrução popular contrasta com expectativas e ações de libertos e livres. Entre outras ricas questões abordadas neste artigo, acerca de um período histórico pouco pesquisado, podemos estabelecer algumas relações com os artigos do dossiê deste número 46, pois os autores também constatam que o poder público valeu-se de malabarismos numéricos, apesar das fragilidades dos levantamentos estatísticos. Indicam que houve disputas para a produção e divulgação de estatísticas e ressaltam que os números podem ser lidos sob distintas perspectivas, por exemplo no que se refere aos índices de instrução pública da população e às condições de acesso à instrução. O artigo seguinte, de Fabio de Faria Peres e Victor Andrade de Melo, detém-se no século 19, perscruta em três impressos em circulação no Rio de Janeiro e ligados à Medicina, a ginástica, que é tomada como domínio do saber médico. Intentam pensar a introdução da prática nas escolas brasileiras. O tema acumula um conjunto significativo de estudos da historiografia brasileira e internacional da Educação, mas importa destacar no artigo mais uma demonstração de questões amplamente discutidas sobre saberes médicos e educação a partir de uma empiria que se apresenta como observatório privilegiado da produção e legitimação dos saberes médicos.Século 20, Espanha e mobiliário escolar encontram-se tematizados no instigante artigo de Jauri dos Santos Sá que nos dá provas da vitalidade das abordagens acerca do patrimônio educativo e da cultura material escolar para a História da Educação. Examina a atuação de Josep Goday, arquiteto espanhol, como protagonista na configuração de um mobiliário que procurava dignificar a sala aula para além dos aspectos arquitetônicos e estéticos, pois este constituía um índice da modernidade pedagógica. Inversamente, podemos pensar, a partir da modernidade pedagógica, o papel desempenhado pelo mobiliário escolar, enfim, isso é para dizer que o olhar dirigido ao mobiliário pode espraiar-se e, a partir dele, pensar a complexidade de questões do período histórico e do projeto/experiência educacional em que o mesmo se inscreve. O mobiliário, segundo o autor, constitui um dos principais testemunhos da arqueologia da escola, podendo mesmo ser concebido como indicador da difusão de projetos pedagógicos e processos de modernização em educação.Início do século 20, Minas Gerais, fazendas-modelo estão tematizados no artigo seguinte, de Irlen Antônio Gonçalves e Daniela Pereira Versieux, que aborda a formação de aprendizes agrícolas nestas iniciativas educacionais que possuem um caráter ímpar e que ministraram o ensino agrícola prático a um número expressivo de aprendizes em pelo menos cinco escolas mineiras assim identificadas. Os autores recorrem a uma documentação variada e oferecem informações detalhadas de uma diversidade de aspectos dessa modalidade educativa: materialidade, currículos, metodologias de ensino, população estudantil.Bruno Bontempi Jr, na sequencia, volta-se à Escola Politécnica de São Paulo e aos engenheiros paulistas formados pela instituição. Memórias, identidades e representações sociais entorno à profissão e à instituição são examinadas a partir da análise dos discursos de engenheiros e formandos, proferidos em sessões solenes da instituição entre 1899 e 1910. O autor afirma que essas instituições de ensino superior constituíram espaços de formação e sociabilidades e, de certa forma, as cerimônias de colação de grau são emblemáticas a esse respeito, não apenas pela ritualística altamente simbólica, mas também como momentos de visibilidade e proliferação discursiva das identidades e representações sociais internamente cultivadas e que se almejava legitimar socialmente.Para fechar este número, História da Educação oferece a seus leitores um documento precioso e uma resenha de obra fundamental. O documento é generosamente partilhado por Eduardo Arriada, Elomar Antonio Callegaro Tambara e Sheila Duarte e intitula-se A sciencia do bom homem Ricardo, titulo que os pesquisadores acrescem o oportuno complemento: um texto de leitura escolar no Brasil Imperial. Recorrentemente, nos eventos e nos balanços da produção em História da educação, vimos nos ressentindo do número de estudos e documentação lacunar acerca do período imperial.Eis um contributo que se soma aos demais já publicados pela revista para conhecimento dos pesquisadores da área. A apresentação do documento é primorosa: os autores explicam não apenas o momento histórico no qual figuraram diversos movimentos de laicização, mas também argumentam a escolha do complemento ao título. Não podemos designar, no século 19, no contexto educacional brasileiro, alguns impressos como livro didático, pois esta noção era difusa, problemática mesmo, e lançam a proposição aos leitores e especialistas de um termo que julgam mais adequado: textos utilizados para a leitura no espaço escolar.A ciência do bom homem Ricardo, de Benjamin Franklin, dentre outros que se aproximam, demonstra, segundo os autores, o quanto certos textos, não necessariamente escritos para uso da escola, foram utilizados na mesma como suportes no processo de aquisição da leitura e na difusão de valores éticos e morais. O texto em si mesmo é de uma expressividade indiscutível, mas ressaltamos a riqueza de informações contempladas pelos autores que argumentam a importância do mesmo, sua exemplaridade e os muitos aspectos que podem suscitar pensamentos e investigações a partir ou com base ou sobre o documento.A resenha escrita por Rafaela Paiva Costa nos contempla a obra do historiador da educação português Justino Magalhães, deveras conhecido no Brasil, com textos publicados em outros números desta revista. Trata-se de seu penúltimo livro, O mural do tempo: manuais escolares em Portugal, publicado pela Colibri/Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, em 2011. Obra de um fôlego inconteste, oferece um rico arcabouço teórico, metodológico e documental acerca dos manuais escolares, em um texto rigorosamente argumentado e fundamentado. Aos estudiosos do tema, uma verdadeira lição de teoria e empiria; aos pesquisadores de história da educação, outras tantas lições da prática e escrita historiográfica. A autora da resenha não somente explicita o plano da obra, sobretudo demonstra seus contributos.Nossas palavras de arremate retomam a homenagem a Jacques Le Goff, para quem a mise en histoire não é jamais um ato neutro ou inocente, mas uma operação produzida, provisória em sua historicidade, ungida de injunções as mais diversas, atravessada sobretudo por uma vontade de verdade que mobiliza problemas, documentos, estratégias interpretativas, periodizações, narrativas, que podem ser expressas em síntese como pesquisas e reflexões.História da Educação poderá fazer sentido como mais uma publicação, entre outras, se puder, através da generosa publicização de pesquisas e reflexões, provocar leituras e apropriações estimulantes: “Não podemos assistir passivamente ao espetáculo de nossa própria vida. Temos de nos inserir modestamente no conjunto onde sentimos que há vontade de criação” (Le Goff, 1991). Maria Stephanou,editora. [1] Jacques Le Goff nasceu em Toulon, França, em 1º de janeiro de 1924 e faleceu em Paris, em 1º de abril de 2014.[2] Jacques Le Goff tem autoria ainda nos seguintes verbetes: Calendário, Passado/presente, Idades míticas, Progresso/reação, Antigo/moderno, Decadência, Escatologia. Enciclopédia Einaudi, v. 1 Memória-História. Porto, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984.[3] A 1ª edição da coleção foi feita em três volumes, a saber: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). Faire de l'histoire: nouvelles approaches. Paris: Gallimard, 1974. LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). Faire de l´histoire: nouveaux problèmes. Paris: Gallimard, 1974. LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre (dir.). Faire de l'histoire: nouveaux objets. Paris: Gallimard, 1974. Em 2011 a Gallimard reuniu aos três volumes e publicou Faire de l'histoire: nouveaux problèmes, nouvelles approches, nouveaux objets. A coleção encontra-se publicada no Brasil, sob o título: História: novos problemas (tradução de Theo Santiago); História: novas abordagens (tradução de Henrique Mesquita) e História: novos objetos (tradução de Teresinha Marinho), 1ª edição em 1976 pela editora Francisco Alves.[4] LE GOFF, Jacques. Faut-il vraiment découper l’histoire en tranches? Paris: Seuil, 2014. [Nem tese, nem síntese, este ensaio pode ser lido como o ápice de uma longa pesquisa. E de uma reflexão sobre a História, sobre os períodos da história ocidental, no centro da qual a Idade Média é minha companheira desde 1950. Trata-se então de uma obra que eu trago comigo desde muito tempo, idéias que eu tenho próximas do meu coração, no meu âmago. Escrito em 2013, quando os efeitos da mundialização são cada vez mais tangíveis, este livro-percurso coloca questões sobre as diversas maneiras de conceber a periodização na história: as continuidades, as maneiras de repensar a memória da história. Tratando do problema geral da passagem de um período a outro, examino um caso particular: a pretendida novidade da Renascença e sua evocação a Idade Média à qual eu consagrei com paixão minha vida de pesquisador. Resta o problema de saber se a história é una e contínua ou é seccionada em compartimentos? Ou ainda, é preciso verdadeiramente seccionar a história em pedaços? Tradução livre.[5] Disponível para audição em http://www.franceculture.fr/emission-les-lundis-de-l-histoire-la-peur-au-moyen-age-2014-03-31, última emissão de Jacques Le Goff datada de 31/03/2014, intitulada La peur au Moyen Âge.