Revista de Filosofia (Dec 2020)
Mudança estrutural da esfera privada? Big data e os desafios à antropologia política da modernidade
Abstract
Uma reflexão crítica sobre os caminhos e descaminhos das tecnologias contemporâneas se impõe com cada vez mais força na atualidade. Não se pode mais falar das dimensões “social” e “política” apenas se referindo à interação intersubjetiva; é preciso focar igualmente na interação humana com os aparatos técnicos. Tendo como pano de fundo a crescente digitalização da vida, acompanhada de processos de captação e armazenamento massivos de dados por parte de diferentes mecanismos e instâncias, gostaria de abordar, neste artigo, uma série de análises sobre os impactos do big data nos campos da economia, da política e da subjetividade a fim de colocar a seguinte questão: em que medida esse novo fenômeno não altera a configuração dos espaços de socialização e subjetivação, notadamente a esfera privada, de sorte a gerar um impacto na própria estruturação das democracias modernas? Tal questão se impõe na medida em que a antropologia política da modernidade é baseada, predominantemente, em uma noção substancial de sujeito autônomo, que possui na esfera privada um espaço fundamental de atividade e vivência cujo acesso lhe é privilegiado. Sendo assim, o objetivo do artigo é o de iniciar uma discussão sobre até que ponto as bases da antropologia política da modernidade não estariam sendo solapadas a partir de uma “mudança estrutural da esfera privada”, uma vez que o acesso privilegiado do indivíduo a determinados dados privados poderia ser suplantado pelo advento do Big Data, ameaçando um dos principais pressupostos teóricos e institucionais do liberalismo e da democracia moderna, a saber: a de que somos seres autônomos, responsáveis e os únicos capazes de legitimamente deliberar e tomar determinadas decisões. Procurarei trabalhar tal questionamento a partir de uma proposta de reatualização do conceito habermasiano de consciência tecnocrática.
Keywords