Revista Interinstitucional Artes de Educar (Feb 2022)

“Agora eu era herói”: uma rap(sódia) terapêutico-antropofágica audiovisual do caráter de heróis, anti-heróis, super-heróis, heroínas e crianças

  • Antonio Miguel,
  • Ana Lúcia Goulart de Faria,
  • Magda Dourado Pucci,
  • Adriana Alves da Silva,
  • Marcelo Vicentim

DOI
https://doi.org/10.12957/riae.2022.65324
Journal volume & issue
Vol. 8, no. 1
pp. 208 – 222

Abstract

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Inventando um gênero literário-textual híbrido – antropofagicamente composto pelo gênero literário/musical erudito denominado rapsódia, que encadeia tradições e estilos literários/musicais heterogêneos diversos, e pelo gênero literário-musical popular urbano denominado rap, um tipo de canto-poema rimado e rap(idamente) declamado/cantado, inventado por comunidades afro-descendentes de países americanos outrora colonizados –, o propósito que orientou a produção do rap-poema cênico que se segue foi o de proporcionar aos leitor@s/expectador@s experiências performativas de leituras (des)equilibristas ditas (auto)terapêuticas – no sentido wittgensteiniano – e antropofágicas, no sentido do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. Visualmente, à semelhança das colagens dadaístas de Kurt Schwitters e Hans Arp, o rap-poema se assemelha a uma colcha de retalhos composta por 17 caixas de aforismos ou de imagens desconexas e aleatoriamente dispostas ao longo das páginas. Por sua vez, tais caixas remetem, mediante hiperlinks, a vídeos que encenam metonímica ou rapsodicamente o enredo que o rap-poema problematiza – “Ai que preguiça!” –, qual seja, a fisiognomia e o caráter de heróis, anti-heróis, super-heróis, heroínas e crianças. Para realizarem a “leitura” do rap-poema, é preciso que @s leitor@s elejam um percurso aleatório das caixas (desde que percorram todas elas), como, por exemplo: 09 – 06 –11 – 10 – 01 – 07 –16 –12 – 02 –15 –17 –14 – 03 – 08 –13 – 04 – 05, e cliquem com o mouse sobre cada uma delas, segundo a ordem eleita, num movimento de vai e vem entre as caixas de textos-imagens e os audiovídeos aos quais cada uma das caixas remetem, respectivamente. Assim, cada leitura personalizada do rap-poema proporciona a leitor@s a chance de se envolverem com uma experiência (des)equilibrista de produção de significados muito diferente daquela proporcionada por textos verbais-argumentativos característicos do mundo acadêmico, semelhante, porém, a pesquisas que realizamos percorrendo sites diversos da internet. Nessas leituras (des)equilibristas, a produção de sentidos é feita com base em conexões analógicas casuais que cada leitor@ estabelece em suas tentativas de transformar imagens e aforismos desconexos e em uma narrativa contínua e significativa. Assim, tais significações diversas não devem ser vistas como intencionais, subjacentes ou supostamente ocultas no rap-poema, ainda que a produção do rap-poema tenha sido propositalmente orientada por um apelo de problematização do caráter agonístico, competitivo, violento, vingativo, vaidoso, estratégico, astucioso, ardiloso e ilusionista constitutivo das imagens quase sempre maniqueístas, supra-humanas, mascaradas, belicistas, machistas e adultocêntricas de heróis, anti-heróis, super-heróis e heroínas construídas ao longo das histórias da filosofia, da literatura, das artes, do cinema e dos quadrinhos. Tais imagens têm sido reiteradamente mobilizadas e comercializadas como modelos ideológicos formativos de crianças de quase todas as épocas e nações. Talvez seja por isso que narrativas que inventam heróis, anti-heróis, super-heróis e heroínas sempre os encenem já adultos – eles são sempre não-crianças, com a exceção, talvez, de Macunaíma, que já nasce herói, ainda que sem nenhum caráter –, e que as raras memórias de seus tempos de crianças só muito recentemente comecem a adentrar as salas de cinema com o propósito de se descontruir derridianamente as imagens ideológicas de heróis que essas narrativas mobilizam.

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