Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2023)

HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA NOTURNA CLÁSSICA EM UM PACIENTE PEDIÁTRICO: INCERTEZAS SOBRE ANTICOAGULAÇÃO PROFILÁTICA EM UMA SITUAÇÃO SINGULAR - RELATO DE CASO

  • AA Ferreira,
  • STF Grunewald,
  • FGF Morais,
  • LB Ribeiro

Journal volume & issue
Vol. 45
pp. S554 – S555

Abstract

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Objetivo: Relatar um caso de Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) clássica em um pré-adolescente e discutir a anticoagulação profilática primária. Relato de caso: Menino de 11 anos, estudante, atleta amador e aprendiz de mecânico, iniciou quadro de equimoses e epistaxe recorrente, o que levou a família a buscar atendimento. Exames evidenciaram apenas anemia normocítica (Hb 8,9 g/dL), plaquetopenia leve e deficiência de ferro, que foi reposto por 6 meses, sem melhora laboratorial. Ao ser admitido em nosso serviço, relatava períodos de fadiga, disfagia, urina escurecida e icterícia discreta. Não havia comorbidades nem histórico de transfusões. Trazia uma biópsia de medula óssea normocelular, com hiperplasia eritroide, e os exames: Hb 7,4 g/dL, reticulócitos 168.000 mm3, leucometria 3770 mm3, plaquetas 126.000 m3, LDH 3001 (120‒240 U/L), ferritina 10 ng/mL, bilirrubina indireta 0,9 mg/dL, haptoglobina 1 (25‒190 mg/mL) e creatinina 0,5 mg/dL. O teste de Coombs direto era negativo e a eletroforese de hemoglobina, normal. Foi detectada hemoglobinúria +/4+. A imunofenotipagem demonstrou a presença de células HPN do tipo III em 68% dos eritrócitos, 97% dos neutrófilos e 95,4% dos monócitos. O paciente foi medicado com ácido fólico e sulfato ferroso. Optou-se pela não anticoagulação profilática. Eculizumab foi solicitado a despeito do protocolo clínico brasileiro que contempla apenas pacientes ≥14 anos. Em dezembro/22, houve uma hospitalização por crise hemolítica (Hb 7 g/dL, reticulócitos 340.000 mm3, LDH 4833 U/L, bilirrubina indireta 3,8 mg/dL, hemoglobinúria 4+/4+). A decisão judicial sobre o fornecimento do inibidor de complemento ainda estava pendente. Em janeiro/23, o medicamento foi iniciado. Exames após 3 meses de uso: Hb 12,2 g/dL, reticulócitos 78.000 mm3, LDH 297 U/L. Discussão: HPN clássica é uma condição raríssima na faixa etária pediátrica, e seu tratamento neste grupo de pacientes traz desafios adicionais. Em adultos, as tromboses são a principal causa de mortalidade e o risco é maior com clone de granulócitos > 50%, ainda que indivíduos com clones menores também tenham risco maior que a população geral. O eculizumab reduz significativamente o risco trombótico e, para pacientes com uso regular da medicação, a anticoagulação profilática primária não tem sido recomendada. Para os que não estejam em uso de eculizumab, o papel da profilaxia primária é controverso, uma vez que a anticoagulação isolada não é inteiramente efetiva. Nestes, o risco cumulativo de eventos trombóticos é de 20%‒30% em 10 anos, mas em crianças, esses dados não são conhecidos. Além disso, aspectos pediátricos como o desenvolvimento do sistema de coagulação, a farmacocinética idade-dependente dos medicamentos e a possibilidade de traumatismos associados a altos níveis de atividade física devem ser considerados. Há indícios que a rivaroxabana seja efetiva e segura em adultos com HPN e alguns estudos sobre sua utilização para profilaxia de trombose venosa em crianças estão em andamento. Contudo, respostas sobre indicações e benefícios da profilaxia antitrombótica primária e qual anticoagulante utilizar em crianças com HPN permanecem incertas. Conclusão: Devido à raridade da condição no contexto pediátrico, as evidências sobre o manejo de crianças com HPN são escassas e restritas a relatos de casos. A decisão sobre profilaxia antitrombótica primária deve considerar os riscos de sangramento e a disponibilidade de inibidor do complemento para tratamento específico.