Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
LEISHMANIOSE VISCERAL COM MANIFESTAÇÃO HEMATOLÓGICA COMO DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DE DOENÇA PLASMOCITÁRIA: UM RELATO DE CASO
Abstract
Introdução: A leishmaniose visceral (LV) é uma protozoonose endêmica no Brasil, transmitida pelo Lutzomyia longipalpis. Pode se manifestar com perda de peso, febre, hepatoesplenomegalia, adenomegalia e citopenias. Seu acometimento hematológico inclui alterações em todas as séries, em destaque para anemia, neutropenia, pancitopenia e achados na medula óssea - MO (plasmocitose, hiperplasia eritroide e formas amastigotas de Leishmania sp). Objetiva-se, através deste estudo, relatar um caso de leishmaniose visceral com manifestação hematológica como diagnóstico diferencial de mieloma múltiplo. Descrição do caso: Mulher, 71 anos, hipertensa, diabética, com artrite reumatoide, com quadro de perda de peso involuntária de 10kg, em 6 meses, associada a plenitude gástrica, astenia, febre (até 39°C) e dor musculoesquelética, sobretudo em gradil costal. Evidência de anemia normocítica e normocrômica (Hb 5,6 g/dL); neutropenia (neutrófilos: 354 cels/mm3) e rouleaux eritrocitário. Contagem de reticulócitos normal. Cinética de ferro, dosagens vitamínicas e funções orgânicas sem alterações. HIV não reagente. Esplenomegalia homogênea em USG, sem sinais de hipertensão portal. Realizado mielograma com plasmocitose (14%) e eletroforese de proteínas mostrava hipergamaglobulinemia sugestiva de pico monoclonal. Encaminhada para a hematologia com suspeita de mieloma múltiplo. Investigação subsequente revelou que hipergamaglobulinemia policlonal, com relação kappa/lambda livres de 1,56 (ref: 0,26 a 1,65). Optado por reavaliação medular com biópsia de MO que identificou plasmócitos intersticiais e moderada quantidade de histiócitos com presença intracitoplasmática de cinetoplasma compatível com Leishmania sp. Paciente referenciada ao serviço de Infectologia para tratamento específico. Discussão: A LV é uma doença infecciosa, com acometimento sistêmico, contudo, suas manifestações hematológicas são marcantes, o que inclui as citopenias e os achados medulares. No caso relatado, a paciente evoluiu com bicitopenia (anemia e neutropenia) - excluídas outras etiologias, e aumento de plasmócitos em medula óssea (14%). Houve suspeita de mieloma múltiplo por plasmocitose em MO > 10% e lesão orgânica (anemia), porém, apesar de apresentar hipergamaglobulinemia, a mesma não era monoclonal, o que motivou a procura por diagnóstico diferencial. A plasmocitose observada na LV decorre da hiperativação de linfócitos B no microambiente medular. Após a exclusão de mieloma múltiplo, diante de outros achados clínicos (hepatoesplenomegalia, febre e síndrome consumptiva), optou-se por realizar biópsia de medula óssea para elucidação de diagnóstico hematológico e/ou parasitológico, com confirmação de Leishmania sp. Neste caso reforça a importância de correlacionar informações clínico-laboratoriais para elucidar a patologia de base. Conclusão: A LV é uma doença endêmica no Brasil e deve ser lembrada como diagnóstico diferencial na investigação de citopenias, hepatoesplenomegalia e plasmocitose medular. Seu acometimento hematológico é diverso e um alto grau de suspeita deve ser mantido pelos hematologistas.