Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
SÍNDROME ANTIFOSFOLÍPIDE COM POSITIVIDADE ISOLADA PARA IGM: APRESENTAÇÃO CLÍNICA E RISCO TROMBÓTICO
Abstract
Introdução Objetivos: Os novos critérios classificatórios da Síndrome Antifosfolípide (SAF) pela EULAR/ACR, publicados em 2023, atribuem menor peso aos anticorpos antifosfolípides da classe IgM no sistema de pontos. Isso faz com que casos positivos apenas para IgM não sejam classificados como SAF. No entanto, a SAF é uma trombofilia grave, cujo diagnóstico direciona a uma terapêutica anticoagulante prolongada. A exclusão de casos IgM positivos pode levar à perda de diagnóstico e a um tratamento inadequado. Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi avaliar as manifestações clínicas da SAF com IgM positivo isolado, comparando-as com a SAF com outros perfis de anticorpos antifosfolípides. Material e métodos: Coorte multicêntrica (Serviços de Hematologia da USP e no Hemocentro da UNICAMP), em que os dados demográficos e clínicos de pacientes IgM+ isolado (anticardiolipina ou anti-beta2glicoproteína-1) foram comparados aos pacientes com outros perfis de aPL: Anticoagulante Lúpico (AL) isolado (AL+); IgM positivo associado a IgG e/ou AL positivo (IgM+IgG+LA+/-); IgM negativo associado a IgG positivo com ou sem AL positivo (IgM-IgG+LA+/-). Resultados: Entre os 265 pacientes analisados, 164 (62%) apresentavam apenas AL+, 18 (7%) IgM+ isolado, 29 (11%) eram IgM+IgG+LA+/-, e 54 (20%) IgM-IgG+LA+/-. Dos IgM+ isolado, 50% eram anticardiolipina IgM positivos, 39% anti-beta2glicoproteína-1 IgM positivos e 11% eram positivos para ambos os anticorpos. O grupo IgM+ era mais velho no 1ºevento (medianas de idade: IgM+ 41,5; IgM+IgG+LA+/- 33; IgM-IgG+LA+/- 26,5; AL+ 33,5 anos; p = 0,04), tinha maior prevalência de hipertensão (IGM+ 35%; IgM+IgG+LA+/- 10%; IgM-IgG+LA+/- 6%; AL+ 12%; p = 0,01) e dislipidemia (IgM+ 61%; IgM+IgG+LA+/- 0%; IgM-IgG+LA+/- 6%; AL+ 7%; p = 0,001). Por outro lado, a prevalência de diabetes (p = 0,001) e doença renal crônica (p = 0,001) foi menor nos IgM+ isolado em comparação com os demais. Obesidade, história familiar de trombose e diagnóstico de trombofilias hereditárias foram semelhantes entre os grupos. A positividade para FAN foi menos frequente nos IgM+ em relação aos demais (IgM+ 14%; IgM+IgG+LA+/- 42%; IgM-IgG+LA+/- 38%; AL+ 23%; p = 0,04). O grupo IgM+ isolado apresentava valores de dímero-D menores que os demais (medianas de dímero-D: IgM+ 278; IgM+IgG+LA+/- 770; IgM-IgG+LA+/- 770; AL+ 840 mg/dL; p = 0,002). Em relação as complicações associadas a SAF, todos os pacientes haviam tido trombose, sendo que o sítio da trombose (venosa ou arterial), assim como sua característica (provocada ou não provocada) foram semelhantes entre os grupos. Ainda, a frequência de recidiva da trombose também foi semelhante entre os grupos (IgM+ 39%; IgM+IgG+LA+/- 39%; IgM-IgG+LA+/- 54%; AL+ 43%; p = 0,4). A ocorrência de complicações gestacionais relacionadas a SAF também não diferiu entre os grupos (p = 0,61). Apesar das múltiplas complicações trombóticas e associação com complicações obstétricas, nenhum dos pacientes IgM+ isolado desta coorte seriam classificados como SAF pela classificação EULAR/ACR de 2023. Discussão/conclusão: Apesar de rara, a positividade isolada para anticardiolipina e/ou anti-beta2glicoproteína-1 da classe IgM apresenta desfechos clínicos e obstétricos similares aos demais perfis de antifosfolípides. Esses resultados sugerem que pacientes com positividade isolada para IgM podem também apresentar manifestações trombóticas graves, especialmente com alto risco de recidiva, e não devem ser considerados pacientes de menor risco trombótico.