Veredas (Sep 2022)
Literatura e violência: entrevista com Tatiana Salem Levy
Abstract
O cenário da literatura brasileira contemporânea de autoria feminina e, por extensão, os estudos críticos, especialmente de vertente feminista que têm nela seu escopo, apontam para a emergência de visibilidade e legitimação das singularidades das autoras, suas demandas temáticas e suas assinaturas estéticas, mormente nucleadas por complexos processos de interseccionalidade de gênero, classe, e relações étnico-raciais. Nesse sentido, Figueiredo (2020), ao mapear a produção em prosa feminina brasileira do século XXI, constata que as escritoras têm demonstrado cada vez maior liberdade na escrita ficcional de aspectos que envolvem seus corpos, abordando temas como erotismo, gravidez, aborto, maternidade, estupro, incesto, relações abusivas, menstruação, TPM, distúrbios alimentares (anorexia e bulimia), automutilação, prostituição, lesbianidade, velhice (Figueiredo, 2020, p.11). A violência de gênero, tanto física quanto simbólica, que tem apresentado índices alarmantes, é legitimada ao se inscrever "em uma natureza biológica que é, por sua vez, ela própria uma construção naturalizada" (Bourdieu, 2015, p.33) e apresenta uma faceta objetiva, segundo Žižek (2015, p. 18), posto estar sustentada em uma "normalidade do nível zero contra a qual percebemos algo como subjetivamente violento". Vista Chinesa, último romance de Tatiana Salem Levy, emerge como exemplo de "formas essenciais de vulnerabilidade que inscrevem o corpo da mulher num quadro de relações assimétricas com consequências muitas vezes dramáticas" (Besse, 2018, p. 37) – levadas à experiência-limite do estupro e no trauma que constitui narrá-lo. Nesta entrevista, a autora discorre sobre essas e outras questões que incidem sobre seu fazer literário, sua condição de gênero e as reverberações necessárias no debate público.