Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (Nov 2013)

Declaração de Belém: o recrutamento e a retenção de profissionais de saúde em áreas rurais e remotas

  • Leonardo Vieira Targa,
  • André Luiz da Silva,
  • Dijon Hosana Souza Silva,
  • Enrique Falceto de Barros,
  • Fábio Duarte Schwalm,
  • Leonardo Cançado Monteiro Savassi,
  • Monica Correia Lima,
  • Otávio Silva,
  • Ricardo César Garcia Amaral Filho,
  • Rodrigo Silveira,
  • Magda Almeida,
  • Nilson Massakazu Ando

DOI
https://doi.org/10.5712/rbmfc9(30)827
Journal volume & issue
Vol. 9, no. 30

Abstract

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Resumo dos debates orientados pelas evidências científicas e experiências dos membros do Grupo de Trabalho de Medicina Rural da SBMFC a respeito da questão de recursos humanos para a saúde, com foco na realidade Brasileira. Tendo se reunido em Belém-PA, em maio de 2013, durante o 12º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, o Grupo de Trabalho de Medicina Rural da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), baseado em estudos prévios das evidências publicadas nacional e internacionalmente e na própria experiência como médicos rurais e estudiosos do tema, após debate e consenso, considerando que: • O Brasil é um país continental e com enorme variedade locorregional; • O conceito de ruralidade aqui utilizado será o da Declaração de Brasília;1 • A saúde das populações rurais e remotas apresenta características específicas, que a difere da saúde das populações de grandes áreas urbanas e, em grande parte, os indicadores de saúde daquelas populações são inferiores às últimas;2-5 • As populações de áreas rurais e remotas têm a saúde como direito assegurado constitucionalmente, tanto quanto qualquer outra população;6 • O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem como pressupostos a atenção universal, integral e com equidade para os cidadãos brasileiros,6 entretanto não estão atualmente assegurados o acesso, a longitudinalidade, a integralidade, a coordenação do cuidado, nem a qualidade das ações de saúde para as populações rurais;3 • Existe em todo o país escassez de recursos humanos para a saúde e este fato não pode ser explicado, exclusivamente, pela falta de profissionais, mas, preferentemente, pela má distribuição destes.3,7 O GT de Medicina Rural da SBMFC declara: • É essencial que o governo brasileiro, assegurando adequada participação social, assuma a responsabilidade da criação e sustentação de políticas públicas, direcionadas para a iniquidade da situação de saúde das populações rurais. • Estas políticas devem ser, preferencialmente, adequadas regionalmente e, se necessário, localmente. • Múltiplas estratégias devem ser adotadas simultaneamente, ao invés de escolherem-se estratégias isoladas, sendo que uma política adequada de recrutamento e retenção de recursos humanos, que englobe múltiplas estratégias, deve fazer parte das políticas anteriormente citadas, embora não sejam suficientes.8 • As políticas de recrutamento e retenção de recursos humanos em saúde não podem ser construídas separadamente das políticas de aprimoramento do sistema de saúde e da gestão, e deveriam estar relacionadas com maior orientação do sistema de saúde para a Atenção Primária à Saúde (APS).9 • Deve-se ter em mente que a prática do cuidado à saúde em áreas rurais não se constitui em cenários diferentes, da simples aplicação de evidências científicas descontextualizadas e portanto, as políticas voltadas para esta área não devem estar em desarmonia com as políticas de formação e treinamento. • Políticas de formação de profissionais de saúde, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, devem ser redirecionadas para a obtenção de profissionais com perfil generalista. O Médico de Família e Comunidade (MFC), em nosso país, deve ser o profissional de referência para a prática em áreas rurais e remotas, pois este é o perfil profissional que internacionalmente obtém melhores resultados nestas condições.9 O mesmo perfil deveria ser buscado nas demais profissões da saúde, preferencialmente, e o trabalho em equipe deve ser estimulado. A formação destes profissionais deve ser direcionada para as demandas das comunidades locais. • Estratégias de pré-seleção de estudantes nas universidades para perfis voltados para a APS e para a Medicina de Família e Comunidade são internacionalmente relacionadas a melhores desfechos para esta necessidade e deveriam ser criadas juntamente com: (a) políticas de pré-seleção de estudantes de áreas rurais e remotas, carentes de profissionais de saúde; e (b) descentralização progressiva dos cursos da área da saúde. • Estratégias que aumentam o recrutamento temporariamente, mas não fixam o profissional nas áreas rurais, como o serviço temporário obrigatório ou voluntário (assim como as que premiam o profissional ao terminar o prazo de serviço ou ao retornar para a cidade), não deveriam ser a primeira opção, tampouco prioritárias, visto que têm potencial de prejudicar a qualidade, a longitudinalidade e a integralidade do cuidado, além de, indiretamente, desestimular as melhorias dos sistemas de saúde locais e a busca de um perfil profissional adequado. Estas podem, entretanto, ser soluções opcionais quando outras alternativas se mostrarem infrutíferas, devendo ser reavaliadas periodicamente quanto à sua necessidade, devido ao seu caráter de solução a curto prazo. Ao se optar por premiação após o serviço rural, deve-se priorizar o estímulo às especialidades deficitárias e generalistas. • Estratégias de valorização do profissional rural devem ser adotadas, por exemplo, premiações por longitudinalidade, o escopo mais amplo de habilidades e procedimentos, dificuldade de acesso. • Estratégias de diminuição do isolamento do profissional, como o acesso adequado às tecnologias de informação, a existência de internet de boa qualidade, redes bem estruturadas de referência e consultoria presenciais e/ou a distância e o estímulo governamental às associações de profissionais rurais, conferências e publicações. • Estratégias de facilitação de inserção acadêmica, como o mapeamento e apoio aos programas curriculares que incorporam estágios ou disciplinas de saúde rural, apoio à inserção em projetos de pesquisa e capacitação para tal, apoio à descentralização de cursos da área da saúde. • Estratégias de migração de profissionais estrangeiros deveriam ser encaradas como soluções emergenciais, de curto prazo, somente após outras opções terem sido esgotadas e sempre respeitando as regras nacionais respectivas. • Estratégias de apoio à qualidade de vida do profissional e sua família, visto que são fatores importantes diagnosticados para a não fixação em muitas áreas rurais. Exemplos clássicos são: o auxílio à moradia, obtenção de emprego para cônjuge, transporte, educação dos filhos e remuneração. O GT de Medicina Rural define que: De forma resumida, sem o fortalecimento do SUS, o aprofundamento de seu direcionamento para APS e a melhoria na gestão, com direcionamento adequado de recursos, não será possível uma solução duradoura e adequada para o problema da falta de recursos humanos em saúde. Estratégias múltiplas e regionalizadas deveriam fazer parte de uma política mais ampla de recursos humanos, que necessariamente estivesse conectada com transformações na formação de profissionais para um perfil preferencialmente generalista e qualificado. Soluções de curto prazo, que recrutem e não fixem profissionais nas áreas rurais só podem ser tomadas como opção complementar não devendo ser prioritárias.

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