Linguagem em Foco (Aug 2019)
IDENTIDADE, DIFERENÇA E SENTIDO: O PERCURSO DO OLHAR E DA PENA NA NARRATIVA SOBRE O OUTRO
Abstract
Este trabalho trata das relações identitárias de sujeitos de culturas diferentes em contato, narradas na Carta de Caminha. Perscrutam-se as nomeações e as categorizações feitas pelo sujeito (os portugueses) enquanto sujeito-destinatário de uma dada realidade, que consistem num processo que opera com os sentidos fazendo escolhas capazes de configurar, o mais proximamente possível, um mundo anteriormente concebido, por isso mitológico e real – na medida em que se sustenta desde um longo tempo anterior no imaginário popular – ao mesmo tempo em que produz, pelos mesmos procedimentos, a imagem do sujeito destinador (o outro, o índio). O conceito de Greimas (1987) em Da imperfeição (a tela de aparências que se descreve deixa entrever outros sentidos)1, bem define a dificuldade em se lidar com o figurativo que não diz de si, que quase dissimula e conduz a percepção a uma reabilitação. O contato intercultural propõe, no entanto, uma dupla orientação à noção de “apreensão”: uma, através da percepção e do sensível (estesia); outra, através da cultura, seus paradigmas e sua evolução (estética). Para Merleau-Ponty (1967, p.42), entre a primeira e a segunda orientação ocorre uma complexificação, vai-se mais longe em termos de produção de sentido, até esbarrar-se na questão: “As coisas, eu as observo ou sou observado por elas?”2 O “mergulho” em outra formação cultural traz o contato com o novo, porém em que momento do percurso da percepção e da estesia pode-se classificar algo como “novo”? Os primeiros resultados apontam para imagens pré-concebidas do outro ou, quando não, imagens refratadas pelos conceitos cristalizados – que não deixam de ser pré-conceitos.