Pistis & Praxis: Teologia e Pastoral (Mar 2021)
Mulher, este é o teu emblema da vergonha: Quando a mulher é objeto mas não co-sujeito da jurisdição social e religiosa
Abstract
Em A Letra Escarlate (1850), de Nathaniel Hawthorne, são expostas as consequências existencialmente destrutivas de uma sociedade patriarcal e de uma Igreja clerical em que a mulher é expulsa do espaço público como sujeito e destinatário normativo e acolhida nele unicamente como sujeita a (nomeadamente transgressora de) uma normatividade estabelecida exclusivamente pelo homem. Esta desigualdade não é, no entanto, prejudicial unicamente à condição social da mulher, mas também à autocompreensão geral da sociedade e dos homens em particular, ao privar a sua elaboração ética, jurídica e religiosa dos recursos hermenêuticos peculiares da experiência feminina (especialmente a da maternidade). A constelação judiciária de norma, transgressão, condenação e castigo, sobrepõe-se ideologicamente à interpretação religiosa da culpa do ponto de vista cristão, tornando incompreensível a constelação evangélica de mandamento, pecado, conversão e perdão, assim como a diferença entre castigo e expiação. Unicamente na perspetiva ‘materna’ de orientação para o futuro, gerada pelo amor e pela assunção de responsabilidade para com o humanamente ‘dado à luz’, se dá a abertura à gratuidade do amor redentivo de Deus, cuja justiça é força de salvação e não de perdição. Esta diferença de perspetiva tem consequências relevantes na moral familiar, em particular em relação aos divorciados recasados. No comportamento do padre coprotagonista do romance, de ocultamento público da própria culpa e de irresponsabilidade para com os indivíduos nela envolvidos (a antiga amante e a filha), é exposto o mecanismo patriarcal de ‘excecionalismo clerical’ ainda hoje difuso no seio da Igreja e que está na base da gestão moralmente errada e historicamente falimentar do fenómeno do abuso de menores e de pessoas vulneráveis.
Keywords