Estudos Avançados (Apr 2004)

Fora sem dentro? Em torno de um poema de João Cabral de Melo Neto

  • Alfredo Bosi

DOI
https://doi.org/10.1590/S0103-40142004000100018
Journal volume & issue
Vol. 18, no. 50
pp. 195 – 207

Abstract

Read online

O POEMA "Na festa da casa-grande", de João Cabral de Melo Neto, está centrado na figura do cassaco de engenho. Os seus procedimentos estilísticos lembram de perto as técnicas pictóricas de Joan Miró, às quais o poeta dedicou um ensaio revelador. O uso de figuras intensas e isoladas e de linhas melódicas breves obedece a uma poética de superfície que difere programadamente da perspectiva clássica e de sua ilusão de profundidade. Mas esses procedimentos não valem por si mesmos de um modo absoluto: foram usados pelo poeta tanto neste poema (que transforma o cassaco em coisa vazia) como em textos anteriores que apontavam para uma atitude vital de resistência do rio ou do trabalhador nordestino. O que marca realmente a diferença é a presença de um lado de dentro, a voz do poema, que é interna em O cão sem plumas, O rio e Morte e vida severina, mas é exterior em Na festa na casa-grande, cujo falante �� um deputado com acento nordestino. Onde não há perspectiva, a voz assume o papel de doador de sentido.THE POEM "Na festa da casa-grande", by João Cabral de Melo Neto, focuses on the figure of a sugar cane mill laborer. Melo Neto's stylistic procedures closely bring to mind the pictorial techniques of Joan Miró, to which the poet dedicated an insightful essay. The use of intense, isolated figures and of brief melodic lines are in accordance with a surface-minded poetics, whose agenda differs from the classical perspective and its illusion of depth. Such procedures, however, are valueless in themselves from an absolute viewpoint: they were used by the poet both in this poem (which turns sugar cane mill laborers into an empty thing) and in previous texts that pointed toward a vital attitude of resistance, either by the river or by the workers of Brazil's Northeast. What really makes the difference is the presence of an inner face, the voice of the poem, which is internal in O cão sem plumas, O rio and Morte e vida severina, but external in Na festa na casa-grande, whose narrator is a congressman with a northeastern inflection. In the absence of perspective, this voice provides us with meaningfulness.