Varia História (Jun 2021)

“Para a alma, & para o corpo he a gula o mais mortal peccado”: Discursos religiosos e médicos sobre os entendimentos e os efeitos do consumo alimentar exagerado, Portugal, século XVIII

  • Eliane Cristina FLECK,
  • Mauro DILLMANN

DOI
https://doi.org/10.1590/0104-87752021000200008
Journal volume & issue
Vol. 37, no. 74
pp. 533 – 564

Abstract

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Resumo As concepções religiosas e médicas sobre a gula e também sobre seus efeitos são ainda pouco exploradas pela historiografia luso-brasileira que tem se debruçado sobre aspectos como o consumo, a restrição e a interdição de determinados alimentos e bebidas, bem como sobre receituários e a promoção de curas através de misturas de elementos de origem vegetal e animal. Neste artigo, apresentamos e discutimos discursos produzidos sobre a gula divulgados em manuais religiosos e tratados médicos setecentistas, debruçando-nos sobre os diferentes entendimentos que seus autores faziam desse “mortal pecado” e nas aproximações e distinções entre suas percepções sobre os efeitos dos excessos alimentares tanto para o corpo quanto para a alma. Para tanto, analisamos cinco livros religiosos e quatro livros médicos, não necessariamente escritos por portugueses, que circularam em Portugal ao longo do século XVIII. A partir de uma abordagem histórico-cultural, buscamos compreender os significados culturais atribuídos à gula em um universo social coletivamente marcado pela força da crença católica e pelas concepções médicas hipocrático-galênicas, concluindo que as compreensões a respeito do comer desordenado apontavam para interesses médicos na reafirmação de seus saberes sobre saúde e doenças e interesses religiosos na revigoração de uma fé capaz de indicar prejuízos aos caminhos da salvação.

Keywords