Revista de Saúde (Aug 2017)
Desmistificação da simplicidade das tecnologias leves no processo de trabalho em medicina de família e comunidade
Abstract
A Medicina de Família e Comunidade é a especialidade que, partindo de um primeiro contato, cuida de forma longitudinal, integral e coordenada da saúde das pessoas. O profissional que a ela se dedica tem a seu dispor ferramentas e tecnologias que, bem empregadas, contribuem para a qualidade do seu processo de trabalho e para a resolutividade da atenção à saúde. As tecnologias em saúde são classificadas em tecnologia dura, relacionada a equipamentos tecnológicos; leve-dura, que compreende todos os saberes bem estruturados no processo de saúde; e leve, que se refere às tecnologias de relações, de produção de comunicação, de acolhimento e de vínculos. As tecnologias leves são as que possibilitam captar a singularidade, o contexto, o universo cultural, os modos específicos de viver determinadas situações por parte do usuário, enriquecendo e ampliando o raciocínio clínico do médico. É nesse território – das relações, do encontro, de trabalho vivo em ato – que o usuário tem maiores possibilidades de atuar e de interagir. Contudo, no contexto social e político brasileiro, predomina ainda a ideologia hospitalocêntrica, que sustentada por crenças e valores propagados pelo capitalismo, enfatizam a tecnologia dura. A valorização excessiva das tecnologias duras revela o domínio do modelo ontológico que não inclui à atenção as emoções. A atenção médica com foco na estrutura física busca o diagnóstico através do rastreamento de doenças. Neste contexto, tornase um desafio ao Médico de Família e Comunidade usar as tecnologias leves, desvalorizada por muitos especialistas, para os quais sua utilização exige pouco conhecimento do profissional haja vista que raramente contribuem para construção de diagnóstico e elaboração de planos terapêuticos. No entanto, ao sistematizar as tecnologias relacionais no cotidiano do processo de trabalho na Atenção Primária à Saúde (APS), o profissional contribui para o processo produtivo marcado pelo trabalho vivo que ocorre na interação médico-paciente, contribuindo para estabelecimento de vínculos e responsabilizações entre ambos. Após este vínculo, o sucesso terapêutico pode ser alcançado mais facilmente, colaborando para a resolutividade de atenção prestada, que na APS atinge aproximadamente 80% das demandas dos usuários. Assim, sem desmerecer as tecnologias chamadas leve-dura e dura, torna-se imprescindível valorizar a utilização das tecnologias leves no processo de trabalho médico, compreendo-as como recursos capazes de contribuir para a resolutividade da atenção, desonerando assim o Sistema Único de Saúde e desafogando a Rede de Urgência e Emergência.