Estudos do Século XX (Jul 2018)
Para uma conceptualização evolucionista de Saúde Mental
Abstract
O problema epistemológico do critério de demarcação (entre o que é e o que não é doença mental), constitui um dos problemas mais centrais e mais fundamentais da Psicopatologia. Ao longo de um percurso acidentado e demorado de milénios de história documentada, foram-se sucedendo várias formas de conceptualizar a doença e a doença mental, desde a tradição sobrenatural até, no caso específico desta última, ao omnipresente manual DSM, que se veio a impor a nível mundial como a classificação oficial dos transtornos psiquiátricos. Todavia, nenhuma forma se revelou até agora verdadeiramente satisfatória para a discriminação e caracterização de tais transtornos. Nem sequer o manual DSM, afinal uma espécie de glossário construído sobre consensos validados estatisticamente, que no fundo traduz a liderança (ou mesmo o poder hegemónico) do pragmatismo norte-americano sobre a Psiquiatria e a Psicologia, e que parte de pressupostos discutíveis, em particular a assunção de que as diferentes entidades de diagnóstico que define possuem uma realidade subjacente natural e universal. É necessário prosseguir o caminho. Um caminho iniciado por Karl Jaspers, no que diz respeito à via compreensiva (e não apenas descritiva) dos fenómenos em causa. Um caminho que só fará sentido percorrer se se procurar conhecer melhor as realidades naturais que possam existir, quando existam, subjacentes aos transtornos psiquiátricos; procurando ao mesmo tempo reconhecer que partes das definições de tais transtornos são culturalmente definidas e procurando, ainda, articular as diferentes ordens de factores (naturais e sociais) que, juntas, formarão uma nova conceptualização e compreensão de doença e de doença mental. Isto é, procurando por um lado conhecer o funcionamento natural dos mecanismos psicológicos, tais como foram «programados» ou «desenhados» pela evolução da espécie humana; procurando conhecer igualmente as condições ambientais (sociais, culturais, etc.) que fazem disparar tais mecanismos, necessariamente contextuais, de forma disfuncional; e, por fim, incorporando tais conhecimentos nos valores culturais que vêm definindo, ao longo dos séculos e das civilizações, os comportamentos desviantes que se consideram ser doença mental. Tal conceptualização, evolucionista pela sua natureza, poderá vir a trazer enfim uma solução para o problema fundamental de definir critérios de demarcação (entre o que é e o que não é doença mental) que permitam, por sua vez, encontrar explicações adequadas e satisfatórias para a compreensão dos fenómenos psiquiátricos.