Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
ANÁLISE COMPARATIVA DA ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO, DISPONIBILIDADE DE MEDICAMENTOS E DESFECHOS ENTRE PACIENTES COM LLC TRATADOS EM DOIS HOSPITAIS NA MESMA REGIÃO EM CONTEXTOS DISTINTOS (PÚBLICO E PRIVADO)
Abstract
Introdução: A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a leucemia mais comum em adultos no mundo ocidental, com média de idade ao diagnóstico de 70 anos, sendo mais prevalente em homens (2:1) e apresentando um risco 6 a 9 vezes maior em pacientes com histórico familiar positivo. Existe uma grande disparidade nas opções de tratamento entre os setores público e privado, sendo o manejo da LLC no setor público um desafio, especialmente em casos de recaída ou refratariedade. O Registro Brasileiro de LLC, criado em 2004, coleta dados não intervencionistas sobre epidemiologia, detalhes clínicos e tratamentos de pacientes de diversos centros brasileiros. Objetivo: Descrever as características clínicas, marcadores prognósticos e padrões de tratamento de pacientes acompanhados em um centro público de referência e um centro privado em São Paulo, e analisar diferenças de sobrevida global (SG) e tempo livre de tratamento entre os serviços. Métodos: Esta análise retrospectiva coletou dados de pacientes com diagnóstico de LLC entre janeiro de 2016 e janeiro de 2024 em um hospital público de referência e em um hospital privado em São Paulo, Brasil. Resultados: Foram analisados 342 pacientes com mediana de seguimento de 59 meses, sendo 170 do serviço público e 172 do serviço privado. A maioria dos pacientes era do sexo masculino (59%) e foi classificada como Binet A ao diagnóstico (64%). A média de idade foi de 62 anos (29-91). Do total, 177 pacientes (52%) realizaram FISH para del17p; 101 pacientes (29%) realizaram pesquisa de mutação do IgHV e 43 (13%) realizaram cariótipo. Os pacientes do setor público eram mais velhos (mediana 65 vs. 60 anos, p < 0.0001), apresentavam doença em estágio mais avançado (Binet C 20% vs. 6.5%, p < 0.0001) e linfocitose mais acentuada (mediana 23.300 vs. 9.513, p < 0.0001) ao diagnóstico. FISH para del17p foi menos frequente no setor público (49% vs. 55%, p = 0.33) assim como a realização de cariótipo (3.5% vs. 24%, p < 0.0001), porém a análise do status mutacional IgHV foi mais frequente no setor público (39% vs. 20%, p < 0.0001). Do total de pacientes, 159 receberam tratamento, com mediana de tempo até o tratamento de 12 meses (0-149). Sessenta por cento dos casos receberam tratamento com antiCD20 e apenas 23% com Venetoclax ou IBTK. A sobrevida livre de tratamento em 5 anos foi significativamente menor nos hospitais públicos comparado aos privados (38% vs. 55%, respectivamente, p = 0.03), permanecendo significativamente pior após correção para idade, Binet e beta2-microglobulina (hazard ratio - HR 2.90 / intervalo de confiança 95% - IC95% 1.49-5.65, p < 0.0001). A SG foi de 89% em 5 anos, sendo também significativamente pior nos hospitais públicos do que nos privados (81% vs. 97%, p < 0.0001), diferença confirmada após análise multivariada corrigindo para as diferenças (HR 2.90 / IC95% 1.49-5.65, p < 0.0001). Conclusão: O acesso reduzido aos tratamentos adequados provavelmente refletiu a pior sobrevida global no serviço público. Existem algumas vantagens em estar em um hospital público de referência, como participação em pesquisas, doação de medicamentos e acesso a exames (IgHV e FISH). No hospital público, mais testes de status mutacional de IgHV foram realizados devido à inclusão em protocolos de pesquisa, enquanto no serviço privado, testes foram realizados apenas quando havia indicação de tratamento. Mesmo em um centro de referência, estar no SUS permanece como um fator de risco isolado.