Viso (Apr 2019)

A aura na era do seu anunciado declínio: Em torno de Cópia fiel, de Abbas Kiarostami

  • João Pedro Cachopo

DOI
https://doi.org/10.22409/1981-4062/v10i/110
Journal volume & issue
Vol. 5, no. 10
pp. 44 – 55

Abstract

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As linhas que se seguem debruçam-se sobre um filme recente do realizador iraniano Abbas Kiarostami, Cópia fiel (2010), e nele mergulham para reflectir, de uma perspectiva contemporânea, sobre as noções de cópia, de ficção, de simulacro e, em certa medida surpreendentemente, de aura. Dão ensejo a estas reflexões o “tema” e a “estrutura” do filme: o facto de nele um historiador de arte discorrer sobre o valor da cópia em arte (e na vida), e a circunstância de a certo ponto, sensivelmente a meio do filme, os seus dois protagonistas (o historiador e uma coleccionadora de arte com quem trava conhecimento em Itália) parecerem simular um relação amorosa. A certa altura, as certezas do espectador vacilam: James e Elle conheceram-se há pouco (como sugere a primeira parte do filme), ou mantêm uma relação desde há muito (como quem visse apenas a segunda parte do filme julgaria). A resposta parece indecidível. Uma ficção desdobra-se no interior de outra; porém nenhuma tem primazia; a cópia (a ficção fictícia) torna-se independente do original (a pretensa ficção verdadeira); sobrevém um simulacro. Mas qual é o poder deste? Até que ponto a ficção poderá transformar a vida, resgatá-la à banalidade, transfigurá-la? É a partir de perguntas como estas que arriscaremos a hipótese paradoxal de uma cópia provida de aura. Com esta hipótese (com a qual se subverte a associação tradicional entre aura e original), é o poder transformador da arte (em relação com a vida) que permanece em jogo, para lá e independentemente da falência da distinção entre cópia e original.

Keywords