Letras de Hoje (Jan 2022)

O suplício do corpo como instrumento do poder soberano: análise do campo de exceção instaurado na senzala do Engenho Nossa Senhora da Natividade em “Água de Barrela” de Eliana Alves Cruz = The torture of the body as an instrument of the sovereign power: analysis of the exception camp established in the slave quarters of Engenho Nossa Senhora da Natividade in “Água de Barrela” by Eliana Alves Cruz = La tortura del cuerpo como instrumento de poder soberano: análisis del campo de excepción establecido en los cuarteles de esclavos del Engenho Nossa Senhora da Natividade en “Água de Barrela” de Eliana Alves Cruz

  • Roque, Marcia Cristina

Journal volume & issue
Vol. 57, no. 1
p. ID43147

Abstract

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Neste ensaio, pretende-se analisar a obra Água de Barrela, da escritora e jornalista Eliana Alves Cruz, como uma fonte de representação das relações de poder durante o Brasil Império e que promoveram situações de tortura e encarceramento de escravizados africanos. Sendo a literatura ficção, não se pode tomá-la como verdade, mas, sim, como uma possibilidade de realidade a partir do conceito de representação do historiador Roger Chartier (1999). Dessa maneira, as cenas que retratam o período foram destacadas e analisadas a fim de verificar, através da literatura, como a narrativa se compõe e registra tais relações de poder. Para tanto, foram mobilizadas as noções de controle sobre o corpo e de biopoder de Michel Foucault (2021), bem como sua extensão para a necropolítica, de Achille Mbembe (2018). Ainda, a senzala do engenho Nossa Senhora da Natividade foi aqui considerada como um campo no qual se configura o estado de exceção, analisado à luz da teoria de Giorgio Agamben (2002). A proposta de que a senzala possa ser encarada como um campo deriva de estudos nas áreas de filosofia e história e, neste ensaio, pretende-se analisar em uma obra literária como podem ser verificáveis tais conceitos. Nesse local específico e criado para encarcerar os negros escravizados, o suplício do corpo ocorre como forma de disciplinar pelo medo, sendo decidido pelo poder soberano quem deve viver ou morrer de acordo com as necessidades de controle e de produção do soberano corporificado pelo senhor. A escravização negra no Brasil Imperial, portanto, é aqui encarada como um ancestral do campo biopolítico identificado nos movimentos totalitaristas do século XX, com desdobramentos e metamorfoses nos anos seguintes e representada pela literatura

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