História, Ciências, Saúde: Manguinhos (Oct 1994)

Ludwik Fleck e a presente história das ciências Ludwik Fleck and the history of science today

  • Ilana Löwy

DOI
https://doi.org/10.1590/S0104-59701994000100003
Journal volume & issue
Vol. 1, no. 1
pp. 7 – 18

Abstract

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O médico e epistemologista Ludwik Fleck desenvolveu, nas décadas de 1920-30, uma abordagem bastante original para o estudo das ciências. Ele apoiou sua epistemologia em duas bases: por um lado, em sua própria experiência profissional de bacteriologista e imunologista; por outro, na reflexão da Escola Polonesa de Filosofia da Medicina sobre as práticas dos médicos. Tal escola julga que os 'fatos científicos' são construídos por comunidades de pesquisadores - segundo os termos de Fleck, "coletivos de pensamento". Cada coletivo de pensamento elabora um "estilo de pensamento" único, composto pelo conjunto de normas, saberes e práticas partilhados por tal coletivo. Os recém-chegados são socializados em seu estilo de pensamento particular e adotam, portanto, seu olhar específico sobre o mundo. Os fatos científicos produzidos pelos membros de um dado coletivo de pensamento trazem sempre a marca de seu estilo de pensamento. Graças a isso, eles são incomensuráveis com os 'fatos' produzidos por outros coletivos de pensamento. A incomensurabilidade dos fatos científicos, aumentadas pela necessidade de 'traduzi-los' em outro estilo de pensamento para sua utilização pelas outras comunidades profissionais é, aos olhos de Fleck, uma fonte importante de inovação nas ciências e na sociedade. Por muito tempo esquecidas, as idéias de Fleck foram redescobertas nas décadas de 1960-70, em primeiro lugar por Thomas Kuhn (que, na introdução de The structure of scientific revolutions presta uma homenagem explícita à sua obra), depois pelos sociólogos das ciências. Além de sua influência diretamente perceptível, a epistemologia de Fleck mostra profundas afinidades com as novas tendências que se afirmam no estudo das ciências: a consideração das práticas dos pesquisadores e o interesse por suas técnicas materiais, discursivas e sociais.In the 1920's and 30's the physician and epistemologist Ludwik Fleck developed a highly original ideas on science. These ideas were rooted in Fleck's own experience as bacteriologist and immunologist and, on the other hand, in the practice-based thought of the Polish School of Philosophy of Medicine. Fleck affirmed that 'scientific facts' are constructed by groups of scientists, in his terms, by "thought collectives". Each thougth collective elaborates a "thought style" which contains norms, concepts and practices of that collective. Newcomers to a professional community are socialized into its specific thought style and develop an unique way of viewing the world. Scientific facts produced by a given thought collective are therefore shaped by that collective's thought style, and are incommensurable with facts produced by other thought collectives. The incommensurability of scientific facts and its consequence, the need to 'translate' these facts into the style of different thought collectives in an inter-community use are, Fleck proposed, an important source of innovations in science and in society. Fleck ideas were rediscovered in the 1960's and 70's, first by Thomas Kuhn, who in the introduction to his book, The structure of scientific revolutions, acknowledges his ties with Fleck's thought, then by sociologists of science. Beyond their direct influence, Fleck's epistemology has many affinities with new trends in science studies, focused on the scientists' practices, and interested in their material, discursive and social techniques.

Keywords