Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (Jul 2008)

O médico, o seu doente e Balint

  • Inês Maio

DOI
https://doi.org/10.32385/rpmgf.v24i4.10528
Journal volume & issue
Vol. 24, no. 4

Abstract

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Introdução: A relação médico-doente mantém-se objecto de permanente análise, dada a sua complexidade e a sua capital importância no sucesso terapêutico. O relato deste caso exemplifica uma relação médico-doente em que as prioridades do médico e do doente são opostas, e a forma como isso interfere no sucesso da relação terapêutica. Com o relato deste caso, pretende-se ilustrar um exemplo da diversidade das histórias em Medicina Geral e Familiar, especialidade caracterizada pela permanente e complexa interacção de raciocínios médicos e emoções. Descrição do Caso: Utente do sexo masculino, 28 anos de idade, natural de Cabo Verde, que aos 22 anos de idade tem internamento prolongado, com diagnóstico principal de pancreatite aguda necrosada de origem alcoólica.Teve diagnóstico posterior de Diabetes secundária e iniciou insulinoterapia; que abandonou. Retoma as consultas com o seu médico de família em 2008, e refere ter feito «medicamento da terra». Face à avaliação analítica, que mostrou hiperglicemia e hba1c 16,5%, foi feita uma abordagem no sentido da reintrodução da insulinoterapia, que este recusou determinantemente. Segundo o doente, há 4 anos foi-lhe dito que sem insulinoterapia não sobreviveria muito mais tempo, e como desde essa altura ele está «vivo e sem problemas», não vê necessidade em retomar. Não tendo sido conseguida adesão às propostas terapêuticas e face à gravidade do quadro clínico, foi proposto ao doente que iniciasse seguimento em instituição para diabéticos, pelo que foi referenciado à Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal. Discussão: Este caso gerou um sentimento de frustração por não se ter conseguido alterar o comportamento do doente, que conduziria a consequências devastadoras, à luz da medicina actual. Numa reflexão baseada no ciclo de mudança, procede-se a uma análise sobre a forma como a Entrevista Motivacional poderia ter determinado um resultado diferente. É descrita a experiência da partilha deste caso numa sessão do grupo Balint, que foi fundamental para ultrapassar a sensação de frustração gerada e também pelas propostas que foram surgindo ao longo da discussão. É unânime que o MF cuida de indivíduos no contexto das suas famílias, comunidades e culturas, respeitando sempre a autonomia dos seus doentes. Mas que fazer quando a sua autonomia os coloca em risco de vida

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