Revista Portuguesa de Pneumologia (Nov 2004)
Treino de força dos músculos periféricos na DPOC. Revisão sistemática
Abstract
RESUMO: Nos doentes com DPOC, a fraqueza dos músculos esqueléticos associa-se frequentemente a uma menor tolerância ao exercÃcio fÃsico. Esta constatação tem justificado o recurso ao treino de força na intervenção terapêutica a estes doentes.Neste trabalho, os autores fazem uma revisão sistemática dos artigos publicados sobre este tema, procurando evidência actual que justifique esta intervenção.A intolerância ao exercÃcio fÃsico é um dos sintomas que caracteriza a doença pulmonar obstrutiva crónica, acentuando-se particularmente com a progressão da doença, levando à incapacidade para a realização das actividades da vida diária e a um isolamento progressivo do doente.Tem sido demonstrada a presença de disfunção do músculo esquelético no doente com DPOC1. Foi identificada uma redução do número de fibras de tipo I, a atrofia das fibras de tipo I e II, a redução do número de capilares e a alteração dos nÃveis de enzimas metabólicas2. Parecem contribuir para estas alterações numerosos factores, como a hipóxia, a hipercápnia, a inflamação, as alterações de nutrição, o descondicionamento muscular e a miopatia associada ao uso de esteróides. Sendo alterações localizadas no músculo esquelético, a intervenção terapêutica dirigida a estes, através do treino muscular, parece ter um papel relevante no tratamento desta população de doentes.O treino muscular mais frequentemente utilizado nos doentes com DPOC tem sido o treino de endurance, com benefÃcios documentados a nÃvel da endurance muscular e da capacidade para o exercÃcio. Por seu lado, o treino de força poderá proporcionar melhoria a nÃvel da atrofia e da fraqueza dos músculos esqueléticos nestes doentes. Os autores desta revisão pesquisaram a evidência actual para os benefÃcios do treino de força nos músculos esqueléticos, em particular no que diz respeito à incapacidade, à limitação da actividade e à s restrições da participação.Os artigos revistos incluÃam protocolos de treino de força (exercÃcios com aplicação de resistências de intensidade crescente) isolados ou em combinação com outras formas de treino, em doentes com DPOC. O treino de força era aplicado aos músculos esqueléticos periféricos, e a duração do treino era superior a 6 semanas. Foram analisados 13 artigos: 9 estudos empÃricos e 4 revisões temáticas. A média de idades dos doentes foi de 62 anos (de 48,5 a 71,5 anos), sendo a população maioritariamente do sexo masculino. Os doentes apresentavam um FEV1 (percentagem do previsto) de 46,1% (de 38 a 77,5%) representando em média uma obstrução moderada.Registaram-se elevados nÃveis de aderência ao treino e em nenhum dos estudos foram reportados efeitos adversos ou suspensão do protocolo de treino.Os estudos evidenciaram melhoria a nÃvel da força dos membros superiores e inferiores, bem como a nÃvel da função psicológica (vitalidade, saúde mental, limitações emocionais e de saúde). Um dos estudos reportou um efeito significativo a nÃvel do estado de saúde avaliado pelo questionário SF-36. Os estudos não foram consensuais relativamente aos efeitos do treino na participação (envolvimento nas actividades sociais). Verificaram-se, em dois estudos, efeitos do treino a longo termo, sendo os efeitos encontrados aos 12 meses similares aos reportados à s 12 semanas após completar o programa.Não se encontraram melhorias a nÃvel da função respiratória avaliada em repouso. A maior parte dos estudos não evidenciou igualmente melhoria da capacidade máxima de exercÃcio após o treino de força.Os autores concluem que o treino de força dos músculos periféricos pode ser vantajoso e adequado nos doentes com DPOC.Sugerem como áreas de investigação o impacto deste tipo de treino no desempenho funcional nas actividades da vida diária e na participação social. COMENTÃRIO: A doença pulmonar obstrutiva crónica constitui actualmente um grave problema de saúde pública.Trata-se de uma doença incapacitante, em que um dos principais sintomas é a intolerância para o exercÃcio e, em consequência, para as actividades da vida diária, com progressivo sedentarismo, perda da autonomia, depressão e isolamento social.Nos últimos anos, foi demonstrado que a disfunção dos músculos esqueléticos é um dos factores que contribui para a intolerância ao exercÃcio nestes doentes. A abordagem terapêutica da disfunção muscular através da aplicação de programas de treino no exercÃcio tem demonstrado melhorar a tolerância ao esforço nestes doentes.A importância do exercÃcio no tratamento do doente com DPOC é assinalada no relatório do projecto mundial para a DPOC ou projecto GOLD3. Os programas de reabilitação pulmonar que incluem o treino de exercÃcio têm demonstrado vários benefÃcios, nomeadamente a melhoria da capacidade para o exercÃcio, a redução da dispneia, a melhoria da qualidade de vida relacionada com a saúde, a redução do número de internamentos e do número de dias de internamento, a redução da ansiedade e da depressão associada à DPOC, a melhoria da função dos membros superiores com o treino de força e de endurance. Estes benefÃcios estendem-se para além do perÃodo de treino e aumentam a sobrevida destes doentes3. BenefÃcios do treino de endurance: Os estudos realizados nos últimos anos dão suporte à utilização do treino de exercÃcio como indutor de alterações fisiológicas nos músculos da deambulação que conduzem à melhoria da tolerância ao exercÃcio no doente com DPOC. As biópsias musculares realizadas antes e após programas de treino de endurance demonstraram aumento das enzimas do metabolismo oxidativo4. Após um programa de treino é possÃvel realizar um exercÃcio intenso com menor produção de ácido láctico, o que se associa a uma produção relativa mente menor de dióxido de carbono e, consequentemente, menor ventilação5. A cinética do consumo de oxigénio torna-se mais rápida após um programa de treino, o que indica uma melhor função aeróbica dos músculos6. BenefÃcios do treino de força: O principal objectivo do treino de força em doentes com DPOC é o desenvolvimento de uma condição muscular que melhore a capacidade de cada indivÃduo para recuperar um estilo de vida independente.Os trabalhos realizados neste âmbito revelam melhoria no desempenho do exercÃcio submáximo e na qualidade de vida7, bem como aumento significativo da força e da massa musculares8.As modalidades de treino de força podem ser diversas: treino de força muscular contra resistência manual do fisioterapeuta, uso de bandas elásticas, pesos livres, agachamentos ou uso de máquinas de treino isotónico (ex: ergómetros de manivela) ou isocinético. Na avaliação dos resultados do treino deverá ser escolhida a metodologia mais adequada à modalidade de treino escolhida.Na DPOC, o treino de força tem a vantagem de impor menores exigências ventilatórias quando comparado com o exercÃcio de endurance de caracterÃsticas gerais, que envolve maiores massas musculares. Esta vantagem permite a utilização de maior intensidade de cargas, com maiores benefÃcios na capacidade aeróbica muscular local.O treino de força pode ser uma alternativa ao treino de endurance em doentes com fraqueza muscular acentuada. Em doentes com grande limitação no exercÃcio, que não toleram a realização de exercÃcios dinâmicos de caracterÃsticas gerais, o treino em circuito com realização de exercÃcios de força localizados de forma alternada a um dos membros superiores, depois a outro, passando depois a um dos membros inferiores e depois a outro, cria condições para uma adaptação local à realização de determinadas tarefas e à elevação desejável do consumo de oxigénio.Num estudo que comparou os efeitos do treino de endurance com o treino de resistência em doentes com DPOC e fraqueza dos músculos periféricos, encontraram-se efeitos similares nos dois tipos de treino, nomeadamente na melhoria da força dos músculos periféricos, na capacidade para o exercÃcio e na qualidade de vida9.Ainda não está claramente estabelecida a melhor modalidade de treino para os doentes com DPOC. Alguns autores apontam para os benefÃcios de um programa de treino que combine as duas modalidades: endurance e força, já que os benefÃcios especÃficos de cada uma delas se associam (aumento da força muscular e da endurance) e ambas podem melhorar significativamente a dispneia10. Palavras-chave: DPOC, treino de exercÃcio, treino de força, músculo esquelético, Key-words: COPD, exercise training, resistance training, skeletal muscle