Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
MIELOFIBROSE IDIOPÁTICA NA CRIANÇA: UM RELATO DE CASO
Abstract
Introdução: A mielofibrose (MF) é uma doença mieloproliferativa BCR-ABL negativa, caracterizada por leucoeritroblastose, fibrose medular, anemia e fraqueza. Pode evoluir para sudorese noturna, astenia progressiva, perda de peso, icterícia e dores ósseas. É uma patologia rara, mais prevalente em idosos, sendo incomum na infância, com menos de 100 casos descritos nesta população até o momento. Pode ser classificada como primária ou secundária, quando desencadeada por policitemia vera, trombocitemia essencial ou infecções. Em pediatria, a MF se apresenta de maneira distinta da observada em adultos e é considerada um diagnóstico de exclusão. Apesar de existirem critérios diagnósticos para adultos, não há consenso sobre critérios específicos para pacientes pediátricos. Objetivos: Apresentar aspectos clínicos, anatomopatológicos e moleculares de um paciente pediátrico com suspeita de MF primária que podem auxiliar na definição de futuros critérios definidores para a doença. Métodos: Foram analisados dados clínicos e laboratoriais de um paciente pediátrico com suspeita de MF, de setembro de 2023 a abril de 2024. Resultados: Paciente, sexo masculino, 12 anos, apresentou febre, pancitopenia, hepatoesplenomegalia, amigdalite, linfonodomegalia cervical, lesões de pele eritematosas, necróticas e ulceradas, artrite em ombro direito, consolidação em ápice de pulmão esquerdo e perda de peso de 13kg. A investigação laboratorial afastou doenças autoimunes e infecções por microrganismos que culminam em falência medular. As biópsias de pele, linfonodo e osso, realizadas em outubro de 2023, mostraram achados inespecíficos. A biópsia de medula óssea (BMO) com imunohistoquímica evidenciou neoplasia mieloproliferativa, com série megacariocítica hipercelular, formação de agregados frouxos, fibrose reticulínica (MF-2) e ausência de blastos. Os exames BCR-ABL e JAK2 foram negativos. O exoma revelou variantes de significado incerto dos genes BRCA2 e RAD50. Uma nova BMO em dezembro de 2023 identificou apenas discreta hipocelularidade e o painel NGS para doenças mieloproliferativas (incluindo os genes ASXL1, BCOR, CALR, CEBPA, ETVG, EZH2, IKZF1, NF1, PHF6, PRPF8, RB1, RUNX1, SH2B3, STAG2, TET2, TP53, ZRSR2, ABL1, BRAF, CBL, CSF3R, DNMT3A, FLT3, GATA2, HRAS, 1DH1, IDH2, JAK2, KIT, KRAS, MPL, MYD88, NPM1, NRAS, PTPN11, SETBP1, SF3B1, SRSF2, U2AF1 e WT1) não detectou mutações. Foi realizado tratamento suportivo e antibioticoterapia, com melhora clínica e laboratorial progressivas, levando à principal suspeita de MF primária com resolução espontânea. Discussão: A falta de critérios diagnósticos bem estabelecidos para a população pediátrica e a manifestação distinta da doença nesse grupo tornam o diagnóstico desafiador. Mishra (2020) relata uma série de casos em que a maioria dos pacientes pediátricos com MF apresentou-se com anemia, hepatoesplenomegalia, ausência de causas secundárias para a doença, ausência de leucoeritroblastose e com resultado negativo para JAK2. Esses achados são semelhantes aos observados no presente relato e fortalecem o diagnóstico de MF primária, assim como ajudam a ressaltar as diferenças em relação à apresentação típica da doença em adultos. Conclusão: Dada a raridade, complexidade e diferenças na apresentação quando comparada a pacientes adultos, é de suma importância o consenso em relação aos critérios diagnósticos da MF em pediatria, objetivando o aprimoramento da condução desse quadro.