Cadernos de Arte Pública (Jan 2025)
Aluvião
Abstract
Duas cidades portuárias de mesma latitude atravessadas pelo paralelo 23º ao sul do Equador. Santos no Oceano Atlântico junto à mata atlântica da Serra do Mar e Antofagasta envolvida pelo deserto do Atacama no Pacífico. Parte do país reconstruído após o devastador terremoto de 2010, o Chile viu a Bienal SACO ser fundada em meio à pandemia de COVID-19 em 2021. O tema inaugural da Bienal, - Aluvión, remete a um fato bastante trágico e importante para a memória nacional, e que ocorreu na região em 1991. Uma forte inundação causada por chuvas torrenciais e deslizamentos fez desabar casas nos morros da área desértica onde está situada Antofagasta. Com o desmoronamento de grande volume de terra, ruas foram soterradas sob o barro que desceu da serra que circunda a cidade. Houve mais de uma centena de vítimas fatais como resultado do desastre natural ocasionado pelo El Niño, um fenômeno de super aquecimento das águas do Pacífico, sendo percebido nos dias de hoje como um indício precoce da crise provocada pelas mudanças climáticas. Antofagasta é por excelência o epicentro da mineração no país, o que torna impossível não traçarmos um paralelo com a paisagem de montanhas perfuradas, o ar pesado e a erosão poluidora das águas do oceano e do deserto. A destruição do progresso que leva embora famílias, animais, vegetação, negócios e a cultura ribeirinha ou litorânea. O píer marítimo histórico Melbourne Clark, para onde todo o lamaçal do desastre escorreu dos morros em direção ao mar, um equipamento portuário vinculado à exportação de salitre e ao conflito colonialista da guerra do Pacífico entre Bolívia e Reino Unido, foi o coração expositivo de Aluvión. Uma exibição internacional e coletiva a céu aberto no píer converteu-se em uma ponte que rememora a convivência orientada pela solidariedade típica de momentos em que cidadãos de uma mesma comunidade fortalecem laços de união após uma devastação. O espírito de reconstrução ao dia seguinte de uma tragédia igualmente esteve posto entre algumas das obras. Na era pós-pandêmica de genocídio e guerras territoriais que estamos atravessando, para além de nossos traumas de confinamento e impotência, a arte pública no ambiente marítimo ao ar livre do quebra-mar junto ao som das ondas, o azul do céu, o voo das gaivotas, o ronco dos lobos marinhos e o calor do sol do deserto prateando o Pacífico é um exemplo real de reencantamento com a vida.