Ambivalências (Feb 2018)

ESCUTAR (O) NÃO HUMANO: MAIS COISAS ENTRE O CÉU E A TERRA DO QUE SONHAM NOSSOS SIGNOS LINGUÍSTICOS

  • Beto Vianna

DOI
https://doi.org/10.21665/2318-3888.v5n10p82-104
Journal volume & issue
Vol. 5, no. 10
pp. 82 – 104

Abstract

Read online

A linguística tem uma história profunda e um mito de origem moderno, e embora os linguistas prefiram tratar sua ancestralidade epistêmica como pré-história da disciplina, sem consequências para as preocupações atuais, conservam de seus precursores a atenção voltada à palavra e suas manifestações elementais (a letra, o som, o signo) e estruturadas (a frase, o texto, o código). A linguística não tira os olhos da palavra ao definir a si mesma como ciência, e distingue como propriamente linguístico apenas o que é do sistema de signos. Ao relacionar língua e ator social (como na sociolinguística), língua e contexto ideológico (como na análise do discurso) e língua e corpo/cérebro/mente (a psicolinguística, as neurociências cognitivas), a ciência da linguagem considera o segundo termo, por mais importante que seja na análise, parte de um domínio extralinguístico. No entanto, explicar qualquer fenômeno, em particular a explicação científica, é a reformulação da experiência realizada justamente na linguagem, o espaço relacional em que nós (um “nós” que também surge no processo de distinção) apontamos consensualmente para um mundo, trazendo-o para a experiência comum, e que depende, para a sua aceitação, do escutar do outro. Nossa tradição local, acadêmica, de considerar a linguagem como um sistema representacional (transmitida intersubjetivamente e armazenada individualmente), e o código linguístico como o fenômeno a ser explicado por uma teoria da linguagem, torna surdos a nós, linguistas, para o espaço interacional em que nos movemos, privando-nos de considerar, como preocupação legítima das ciências da linguagem, os processos coontogênicos humanos, não humanos e interespecíficos, como domínios linguísticos em seus próprios termos. Proponho, com a ajuda das abordagens sistêmicas e de pensadores de diversas áreas, dentro e fora da academia, ampliar o horizonte de preocupações (e, assim, a capacidade de escutar) dos cientistas da linguagem, para que inclua o espaço de relações ocupado e transformado, a todo instante, pela ação dos sistemas vivos e constituinte dos sistemas sociais.