Caracol (Dec 2020)
Machado de Assis e Borges: Dois Classicistas em Plena Modernidade
Abstract
Analisamos as relações de personagens específicos, bem como do próprio narrador malicioso criado por Machado de Assis, com um personagem surgido no século XVII inglês: o libertino. Do Don Juan transposto para o teatro inglês naquele século ao romance de libertinagem francês do XVIII, ele se caracteriza pelo ímpeto erótico-amoroso e pelo cinismo elitista, cruel e amoral. Em quatro contos-chave de Machado – “Missa do Galo”, “Singular ocorrência”, “D. Paula” e “Almas agradecidas” –, notamos a incidência maior de libertinas mulheres. Traços dos personagens se acham no narrador típico do autor, nos romances da fase madura. A partir do debate crítico sobre tal narrador, propomos que, em sua constituição, a influência dos moralistas franceses do século XVII, incluindo seus precursores (por ex., Castiglione e Gracián), é maior que a de Voltaire. Isso indicaria proximidade desse narrador com o pessimismo amoral e a aversão a transcendências do libertino. Por fim, comparamos tal narrador com o do argentino Jorge Luis Borges. Como o autor brasileiro, Borges criou um narrador elitista e cínico, a dispor com ironia da tradição literária pré-moderna. Se os elementos do conto de horror fantasista em Borges afastam os dois autores, ambos refletem a indiferença cruel do tom elitista em um continente marcado por violenta desigualdade social.