Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
ANEMIA HEMOLÍTICA AUTOIMUNE PÓS COVID EM PACIENTE COM MIELOMA MÚLTIPLO
Abstract
Objetivo: Anemia Hemolítica Autoimune (AHAI) é uma doença cujas hemácias são destruídas em decorrência da ligação de autoanticorpos em sua superfície. COVID é uma infecção respiratória viral aguda causada pelo SARS-CoV-2. As imunoglobulinas (Ig), juntamente com citocinas pró e anti-inflamatórias, são responsáveis pela resposta imune ao patógeno. Pacientes com mieloma múltiplo (MM), neoplasia de plasmócitos caracterizada por produção monoclonal de Ig, quando tratados com Daratumumabe frequentemente apresentam citopenias, comprometendo a resposta imune e aumentando a suscetibilidade a infecções. Quando infectados pelo SARS-CoV-2, tendem a desenvolver formas mais graves da doença e têm risco aumentado de complicações. A COVID pode desencadear tempestade de citocinas e uma resposta imune desregulada, envolvendo células T pró-inflamatórias, que estão fortemente associadas à autoimunidade. Outros mecanismos, como mimetismo molecular, ativação de células adjacentes e modificações na membrana das hemácias, podem levar ao surgimento de doenças autoimunes pós-COVID. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de paciente com MM em tratamento de 2ªlinha, que desenvolveu AHAI pós-COVID, destacando potenciais associações. Material e métodos: Foram coletados dados do prontuário do paciente e realizada pesquisa sobre “mieloma múltiplo, COVID e anemia hemolítica”no PubMed. Relato do caso: Paciente masculino, 83 anos, portador de MM IgG/Lambda há 15 meses, em 2ªlinha de tratamento com DRd há 7 meses com resposta, inclusive com desaparecimento da proteína monoclonal nos exames complementares, apresentou quadro gripal leve com sorologia positiva para COVID. Após 5 dias do fim dos sintomas, evoluiu com anemia sintomática [hemoglobina (Hb) de 7,2 g/dL] e Coombs direto positivo. Foi tratado com dexametasona, e a Hb subiu para 10 g/dL nos primeiros dias, porém se mantém corticodependente há dois meses. Atualmente, continua com corticoide e os níveis de Hb em torno de 10 g/dL. Discussão: No caso apresentado, o paciente teve quadro leve de COVID, ao contrário do esperado, mas desenvolveu AHAI muito provavelmente pelos mecanismos já citados. O uso do Daratumumbe pode ser fator adicional para o desenvolvimento da AHAI pós-COVID. Embora ainda não haja estudos conclusivos quanto ao possível risco de produção de autoanticorpos e hemólise associados ao Daratumumabe, pode-se hipotetizar que isso ocorra devido ao aumento na contagem absoluta de células T CD4+ e CD8+, assim como das porcentagens de linfócitos no sangue periférico e medula óssea. Além disso, o Daratumumabe induz apoptose in vitro através da ligação cruzada mediada por Fc e modula a atividade enzimática por CD38, inibindo a enzima ciclase e simulando a atividade da hidrolase. Assim, supõe-se que a combinação desses fatores - hemólise, ativação de linfócitos e reação cruzada com Fc resultando em apoptose - pode contribuir para a formação de autoanticorpos. O uso desta medicação emerge como possível fator preditivo para o desenvolvimento de AHAI pós-COVID. Este risco é exacerbado pelos próprios riscos que a infecção já apresenta no desenvolvimento de autoanticorpos. Conclusão: O caso ressalta a complexa interação entre MM, tratamento com Daratumumabe e infecção por COVID, culminando no desenvolvimento de AHAI, destacando a necessidade de um acompanhamento clínico rigoroso e de estudos adicionais para compreender melhor tais associações, orientando estratégias terapêuticas mais seguras para esses pacientes.