Brazilian Journal of Infectious Diseases (Jan 2022)
CRIPTOCOCOSE DISSEMINADA EM PACIENTE IMUNOCOMPETENTE COINFECTADO PELO VÍRUS SARS-COV-2: RELATO DE CASO
Abstract
A criptococose é uma micose sistêmica causada por leveduras da espécie Cryptococcus neoformans que acomete principalmente imunocomprometidos. A manifestação da doença criptocócica é rara na ausência de comprometimento imunitário e, quando ocorre, é predominantemente pulmonar. Relatamos aqui uma apresentação atípica da infecção criptocócica em paciente imunocompetente posteriormente coinfectado pelo vírus Sars-CoV-2. V.R.F.V., 49 anos, procedente da zona rural, previamente hígido, com queixa de perda ponderal, fraqueza muscular, tosse e episódios de confusão mental de início insidioso e progressivo há 4 meses, com piora nos últimos 14 dias. Apresentava-se em mau estado geral, emagrecido, taquipneico, afebril, acianótico, anictérico e com roncos difusos à ausculta pulmonar. Ao exame neurológico possuía Glasgow 12, fraqueza muscular generalizada, rigidez de nuca e pupilas isocóricas e fotorreagentes. Sorologias anti-HIV, anti-HCV, HbsAg, VDRL, pesquisa de BAAR e RT-PCR para COVID-19 negativos. O hemograma demonstrava índices hematimétricos nos parâmetros da normalidade, leucocitose neutrofílica sem desvio à esquerda, linfopenia e plaquetopenia. A tomografia de crânio não apresentou alterações e a de tórax evidenciou opacidades pulmonares em vidro fosco de acometimento bilateral, espessamento dos septos interlobulares e enfisema parasseptal e centrolobular associados a focos de esparsos de consolidação. A punção liquórica demonstrou hiperproteinorraquia, consumo de glicose e aumento dos níveis de DHL, bem como isolamento de C. neoformans e tinta da China positiva. Hemocultura positiva para C. neoformans e Staphylococcus lentus. Iniciado anfotericina B, ceftriaxona, sulfametoxazol + trimetropima e claritromicina. Após 5 dias, positivou RT-PCR para COVID-19, evoluiu com deterioração clínica súbita, insuficiência respiratória e rebaixamento do nível de consciência, necessitando de ventilação mecânica invasiva. Manteve refratariedade clínica com hipotensão, hipotermia, midríase fixa e ausência de reflexos, que resultou em parada cardiorrespiratória. A infecção grave de vias aéreas inferiores ocasionada pelo vírus Sars-CoV-2 aumenta a suscetibilidade dos pacientes a infecções bacterianas e fúngicas disseminadas. Porém, o processo inverso também pode ocorrer, como no presente caso. Coinfeções fúngicas, virais e bacterianas são desafiadoras e devem estar entre os diagnósticos diferenciais de pacientes gravemente enfermos com deterioração clínica súbita e progressiva.