Cadernos de Linguística (Jun 2024)

Na fala tem. Mas há na escrita? Reflexões preliminares sobre a norma de referência na escrita acadêmica.

  • Daniela Samira da Cruz Barros

DOI
https://doi.org/10.25189/2675-4916.2024.v5.n2.id761
Journal volume & issue
Vol. 5, no. 2

Abstract

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A norma-padrão idealizada no Brasil vem de uma origem lusitanizada e, desde o início de sua implementação na nossa cultura, já estava fadada ao fracasso por estar totalmente distante do senso linguístico dos mais de 80% de analfabetos que habitavam o país no final do século XIX, ou seja, já nasceu sem ressonância social, ambientada em contexto de uma pequena elite letrada (Faraco, 2023). Ter e haver sempre concorreram no Português e existem muitos estudos relatando as mudanças diacrônicas dessa dupla. O que vemos atualmente é uma preferência, quase categórica, pelo verbo ter em detrimento do verbo haver na fala brasileira (Callou; Avelar, 2000; Lucchesi, 2022). A partir da ideia de que existem no Brasil outros padrões de referência (Faraco, 2008, 2015, 2020) se sobrepondo à norma-padrão prescrita pela gramática tradicional, buscou-se identificar em que medida a variação ter/haver existencial aparece na escrita acadêmica. A pesquisa é pautada nos estudos da Sociolinguística Laboviana (Weinreich, Labov, Herzog, 2006 [1968]), que considera a língua em uso, em seu contexto heterogêneo, e pretende sistematizar fatores que condicionam as variações linguísticas. Há ainda um panorama das reflexões mais recentes, no contexto brasileiro, sobre norma e diversidade linguística (Lucchesi, 2015; Vieira, 2018; Vieira, Lima, 2019). Nossos dados foram extraídos de publicações de revistas eletrônicas da USP e da UFRJ: são textos escritos e lidos por uma parcela considerada mais escolarizada da população, que consome e pratica a escrita acadêmica, lê e escreve, periodicamente, segundo modelos dos gêneros textuais acadêmicos, relativamente estáveis em sua produção. Optou-se por investigar textos de Comunicação Social e Direito, duas áreas que atuam essencialmente por meio da expressão linguística. Os resultados indicam que os produtores de textos acadêmicos se prendem a formatos específicos de gêneros e linguagens, corroborando a manutenção da forma mais conservadora, mas que o ter existencial vem ganhando espaço, sobretudo ao selecionar argumentos mais concretos e humanos, não sendo exemplo, portanto, de variante recusada nem na escrita acadêmica. Assim, identificamos diferentes padrões de referência sendo praticados pela parcela mais escolarizada da população, dentre os quais convivem os propostos pela chamada norma-padrão tradicional e outros padrões, convivência que denuncia uma norma de referência para a escrita que acomoda pluralidade, conforme propõe Vieira; Lima (2019).

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