Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
HEMORRAGIA POR DEFICIÊNCIA DO FATOR XIII: AINDA UM DESAFIO PARA A PRÁTICA CLÍNICA
Abstract
Lactente do sexo feminino, ainda no período neonatal, apresentou sangramento exacerbado do coto umbilical. Na época, recebeu hipótese diagnóstica de doença hemorrágica do recém-nascido tardia e foi tratada com reposição de vitamina k. Dois meses após, foi internada por episódios convulsivos afebris com rebaixamento de nível de consciência, necessitando de suporte ventilatório invasivo. A investigação inicial por tomografia de crânio mostrou extensa hemorragia intraventricular, sendo necessária a descompressão cirúrgica e posterior derivação ventricular externa. Angio-ressonância cerebral descartou causas anatômicas que justificassem o sangramento cerebral. Laboratório à admissão: plaquetas 207.000 mm³, tempo de protrombina (TP) de 15,2”, INR 1.18, tempo de tromboplastina parcial ativada TTPa: 30.5”, R: 1,1, função renal e hepáticas normais. A partir do quadro clínico e exames de triagem de distúrbios da coagulação normais, a equipe da hematologia suscitou a hipótese de deficiência do fator XIII e procedeu com a dosagem específica de fatores da coagulação. Diante da hipótese, foi feita reposição de crioprecipitado para o controle do sangramento em Sistema Nervoso Central (SNC). Os resultados dos novos exames evidenciaram deficiência quantitativa do fator XIII (1,62%), o que foi confirmado em segunda coleta. Dosagem dos demais fatores, incluindo fibrinogênio e fator de von Willebrand foram normais. Método coagulométrico (aparelho STA Evolution - Stago e reagente K-assay fact KIII) foi usado para a dosagem dos fatores. Os pais da criança apresentaram dosagem normal do fator XIII e negaram histórico pessoal ou familiar de sangramento, além disso a mãe também negou perdas gestacionais. Desde os primeiros ciclos de infusão do crioprecipitado, a paciente apresentou bom controle do sangramento em SNC, mantendo-o durante toda a internação (3 meses e meio). Após cadastro no sistema Webcoagulopatias, a paciente recebeu a primeira dose do fator XIII liofilizado, sem intercorrências, e passou a fazer esquema de tratamento profilático a cada 3 semanas. Após a alta hospitalar, a criança se manteve no regime de profilaxia, exibindo sinais de bom desenvolvimento neuropsicomotor na avaliação ambulatorial. Embora exista a possibilidade de deficiência adquirida do fator XIII, acreditamos na hipótese da condição ser congênita, pois a paciente não apresentava quadro predisponente ao defeito adquirido e por ter apresentado hemorragia pelo coto umbilical ainda nos seus primeiros dias de vida. Uma vez que não é disponível a investigação molecular para confirmação genética no Estado da Paraíba, aguardamos a investigação por meio de protocolo de pesquisa. Ainda que rara, a deficiência congênita do fator XIII deve ser suspeitada na presença de sangramentos espontâneos logo no período neonatal (ex: recorrência do sangramento em coto umbilical, sangramento espontâneo em SNC) em pacientes com exames de triagem da coagulação normais.