Hematology, Transfusion and Cell Therapy (Oct 2024)
ANEMIA HEMOLÍTICA AGUDA SECUNDÁRIA A PRÓTESE CARDÍACA VALVAR: RELATO DE CASO
Abstract
Introdução: Hemólise intravascular é uma complicação conhecida em pacientes com próteses valvares mecânicas. Embora muitos pacientes sejam assintomáticos, refluxos paravalvares significativos podem estar associados a anemia hemolítica aguda e quadros clínicos graves, que exigem compreensão adequada para um manejo direcionado. Relato de caso: Paciente feminina, 82 anos e hipertensa. Implantou duas próteses mecânicas (mitral e aórtica) em 2010, por doença reumática. Queixava-se de astenia há dois dias e múltiplos internamentos recentes para transfusão por anemia refratária. Também relatou hematúria, porém negou disúria. No exame físico, estava hipocorada, ictérica, normotensa, sem edema de membros inferiores ou visceromegalias. Na ausculta cardíaca havia dois cliques metálicos, além de sopro sistólico 3+/6 em foco mitral. Exames laboratoriais mostraram anemia macrocítica normocrômica com hemoglobina de 6,3 g/dL, poiquilocitose, esquizócitos, reticulocitose (249.000, 5,46%), bilirrubina total de 3,09 mg/dL (indireta de 2,35 mg/dL), LDH de 3.451 U/L e Coombs direto negativo. Parcial de urina revelou hemoglobina com 40.000 eritrócitos/mL. No ecocardiograma, notou-se refluxo paraprotético grave em prótese mecânica mitral. A paciente, com risco cirúrgico proibitivo (STS score 46%), havia recebido total de 10 concentrados de hemácias em um período de dois meses de internação. Assim, optou-se por ocluir o refluxo paraprotético percutaneamente, com oclusor vascular (plug). Após o procedimento, níveis de hemoglobina apresentaram crescimento sustentado, com valor de 9,5 g/dL na alta hospitalar. Após 6 meses, paciente encontra-se assintomática com hemoglobina de 12,2 g/dL. Discussão: Anemia hemolítica aguda pode ser desencadeada por mecanismos intravasculares ou extravasculares. No contexto de próteses valvares mecânicas, a hemólise intravascular é particularmente relevante e resulta da fragmentação das hemácias por estresse mecânico e turbulência do fluxo sanguíneo provocado pela prótese. Os achados laboratoriais típicos incluem reticulocitose, hiperbilirrubinemia indireta, redução de haptoglobina e elevação da LDH. A presença de esquizócitos é indicativa de hemólise intravascular. A hemoglobina reduzida e macrocitose denotam resposta regenerativa da medula óssea, evidenciada pelo aumento de reticulócitos. O Coombs direto negativo afasta a hipótese de hemólise autoimune, orientando o diagnóstico para causas mecânicas. O fato de a anemia desta paciente não ter mantido níveis normais após múltiplas transfusões e hemoglobinúria são consistentes com hemólise aguda grave. O ecocardiograma transesofágico é fundamental para portadores de próteses mecânicas, como neste caso, tendo em vista a possibilidade de tratamento para refluxos periprotéticos importantes que, afinal, curam a anemia por hemólise neste cenário. Outras causas de hemólise, como distúrbios hereditários, síndrome hemolítico-urêmica e coagulação intravascular disseminada, foram consideradas menos prováveis. Embora o tratamento cirúrgico seja tradicionalmente recomendado para pacientes com refluxo paravalvar significativo, em caso de risco cirúrgico elevado, a intervenção percutânea é a melhor opção. Portanto, a hemólise mecânica deve ser sempre aventada como possível causa de anemia hemolítica aguda em pacientes com próteses valvares mecânicas, reforçando o papel fundamental da interdisciplinaridade do cuidado em pacientes com anemia. Com os avanços exponenciais de soluções menos invasivas para manejo de valvopatias e próteses valvares, é crucial que profissionais de saúde de diversas especialidades estejam a par das melhores possibilidades de tratamento para seus pacientes.