Cuestiones Teológicas (Dec 2022)
A relação entre palavra e deserto na semântica bíblica e na vocação salvífica da tradição judaico-cristã
Abstract
Este artigo analisa a relação umbilical entre dois termos importantes para a exegese bíblica e para a tradição teológico-espiritual judaico-cristã: palavra e deserto. Em hebraico eles encontram um sentido espiritual ainda maior, tendo em vista que dābār tem grande semelhança semântica com midbār. Mais que trazer toda a riqueza da história bíblica transcorrida no deserto, o que se pretende é demonstrar que esse é um lugar privilegiado da escuta da palavra. No deserto acontecem histórias de amor que só poderiam ser escritas pelo coração de Deus. Tanto o Antigo Testamento quanto o Novo Testamentos estão permeados dessas histórias. Algumas delas são aqui relembradas e esperamos contribuir para relativizar a visão negativa do que seja o deserto. Para tanto, o artigo procura analisar a íntima relação que há entre os termos palavra e deserto, seja na assonância semântica, seja no tema da espiritualidade, que une os dois termos. O deserto é lugar não apenas de aridez e solidão, devido às suas questões climáticas, mas é sobretudo de escuta da Palavra de YHWH, justamente por ser um lugar sóbrio e duro ao mesmo tempo, para o qual Deus conduz seu povo a fim de falar a seu coração (Os 2,16). Esta realidade é testemunhada ao longo de todas as Sagradas Escrituras, perpassando os vários corpora bíblicos, a exemplo do Pentateuco, dos Profetas e dos Evangelhos. Assim como Israel fez sua experiência de ser conduzido ao deserto para escutar e discernir a voz de Deus, da mesma forma João Batista, o precursor do Messias; igualmente, o próprio Jesus Cristo, a fim de entrar em maior intimidade com o Pai e vencer as tentações (Mc 1,12-13 Mt 4,1-11; Lc 4,1-13), escutando a voz que clama no deserto (Mc 1,3; Is 40,3), pois nele Deus fala carinhosamente a seu povo e lhe entrega sua palavra.