Civitas - Revista de Ciências Sociais (Jan 2021)
O novo espírito da depressão: imperativos de autorrealização e seus colapsos na modernidade tardia = The new spirit of depression: imperatives of self-realization and their collapses in late modernity = El nuevo espíritu de la depresión: imperativos de autorrealización y sus colapsos en la modernidad tardía
Abstract
O artigo arrisca uma interpretação sociológica da suposta “pandemia de depressão” que assola a contemporaneidade. Os mal-estares psíquicos co-mumente descritos como experiências depressivas são compreendidos à luz das formas de subjetividade produzidas ou, pelo menos, encorajadas pela moderni-dade tardia. Com base no retrato sócio-histórico do “novo espírito do capitalismo” formulado por Boltanski e Chiapello, o texto defende que os atributos de iniciativa, empreendedorismo e adaptabilidade tornaram-se imperativos da individualidade contemporânea não somente no mundo do trabalho, mas também em diversos outros domínios existenciais, tais como o cuidado com o corpo e as relações eróti-co-afetivas. Sem desconsiderar a inflação de diagnósticos psiquiátricos como parte das causas por trás da alegada pandemia de depressão na atualidade, o trabalho sustenta que as formas muito reais de sofrimento psíquico classificadas nesses termos são a moeda reversa, por assim dizer, de demandas sistêmicas pela autor-realização individual: o colapso depressivo da iniciativa e a ausência de “projetos” substituem o “empreendedorismo de si”; a interrupção do movimento sobrepuja a adaptabilidade flexível do self a uma sociedade de mudanças aceleradas; e a experiência do isolamento existencial substitui a esperada comunicabilidade do sujeito-trabalhador contemporâneo como infatigável networker. O trabalho con-clui com uma reflexão sobre os limites que a civilização contemporânea coloca à “ecologia psíquica” e à “economia energética” dos indivíduos nela imersos